Assisti ontem ao programa "Prós e Contras" da RTP, onde o tema principal era a Guerra Colonial portuguesa de 1961-74.
Como é habitual naquele programa, a bem das audiências, perde-se demasiado tempo com intervenções "bombásticas", normalmente muito pouco rigorosas e muito parciais. Velhos "ajustes de contas" entre partidários de ideologias obsoletas.
No entanto, também houve algo que valesse a pena (e que "pena" por vezes foi). Embora dificilmente se possa dizer que qualquer um dos intervenientes fosse o mais objectivo ou o mais politicamente neutral (em favor de um maior rigor histórico, quero dizer), confesso que fiquei agradavelmente surpreendido com os contributos do Coronel Matos Gomes. Surpreendido, obviamente, porque nunca li obra sua nem me recordo de alguma vez o ter ouvido.
Mas para um interessado pela História, como eu, foi de facto um prazer imenso ouvir quem tanto sabe sobre o assunto em questão, tanto como eu julgava não ser possível.
Foi, sem dúvida, o melhor do programa.
Debruçando-me agora sobre o assunto em debate, creio que muito terá ficado por dizer. Sobretudo para esclarecimento dos mais jovens (o mesmo é dizer, em termos de lições para o futuro). Infelizmente, como já referi, sobressaíram velhos ódios e rancores que as sucessivas gerações obstinadamente inculcam nas gerações seguintes, ansiando talvez por vinganças definitivas, desejando quebrar para sempre os ciclos da História pela força, como se tal fosse possível, muito menos desejável.
A minha opinião pessoal é fundada o mais possível nos factos históricos mas também temperada pelo enorme privilégio de conhecer ou ter conhecido - sendo familiar ou amigo - pessoas que viveram o período em causa de maneiras diferentes. Pessoas com convicções diferentes e sortes diversas, que muito estimo ou estimava (muitos já faleceram, infelizmente).
Que penso eu da Guerra Colonial? Ou, mais amplamente, da tentativa de estabelecimento de um império colonial - territorial, entenda-se - em meados do século passado? Simplesmente, foi um erro tremendo. Simplesmente, prejudicou milhões de pessoas e, mais importante para nós, portugueses, o futuro do nosso País durante décadas.
Dito aquilo, convém esclarecer alguns aspectos (que raiam as ideologias, mas vou tentar manter a distância). Ao considerar um erro, faço-o porque penso que, mesmo vivendo sob um regime fascista ou ditatorial (independentemente agora se era mau ou bom, brando ou radical), o nosso País poderia ter seguido outro rumo. Não por ser ou estar de um lado (neste caso, da "esquerda").
Não só isso como posso enumerar boas opções e excelentes obras que o regime de Salazar realizou, sobretudo nas primeiras décadas de existência. Com efeito, quando olho para as décadas de 30 e 40 do século passado, torna-se difícil compreender, por exemplo, como a Espanha conseguiu ganhar-nos tanto avanço (mais significativo nas últimas décadas, é certo - afinal de contas também estiveram na "cauda" da Europa). Enquanto no País vizinho travava-se uma guerra civil cruenta e devastadora, o governo português empenhou-se seriamente no desenvolvimento do País, nomeadamente com a construção de inúmeras infra-estruturas servindo fins diversos, de inquestionável utilidade social.
Tudo isso realça ainda mais o erro, porque foi sem dúvida uma inflexão clara e desastrosa. A partir de certo momento, abrandou ou cessou a construção de escolas, hospitais, estradas ou barragens, em território nacional - inquestionavelmente o nosso território "europeu" e as ilhas atlânticas por nós povoadas. Com flagrante impacto no Interior e na Madeira e Açores, o tempo voltou a parar, pura e simplesmente.
Que foi feito então aos que habitavam essas regiões? Os que puderam emigrar para outros países da Europa ou para a América, fizeram-no. Nos anos 50 teve lugar o maior êxodo da nossa História. Mais de 1 Milhão e meio de portugueses (e bem portugueses!) foram ajudar a enriquecer países terceiros com a sua tenacidade e afinco no trabalho. É justo dizer: que desperdício para Portugal! (e não fossem as remessas...).
Aos restantes, os que ficaram, foi então prometido um futuro de abundância em territórios longínquos, dispersos por este mundo, cujo conhecimento - o necessário e adequado para tal empresa - era ainda deveras deficiente.
Como se não bastasse, todos esses territórios eram habitados (nalguns casos, ao que parece, desde o início da Humanidade) por milhões de autóctones (é verdade, eram milhões), "naturalizados" portugueses não havia muito e, concerteza, com as suas expectativas e anseios relativamente aos seus novos governantes.
É verdade que a realidade era diversa, de território para território, mas sobretudo entre as faixas litorais (com contacto há muito mais tempo - séculos, nalguns casos) e o interior. No entanto, fazendo as contas à vastidão reconhecida e "conquistada" em meados do século passado, não deixava de ser uma realidade nova e perigosa, deixando-nos em verdadeira igualdade de "vantagens" (políticas ou culturais) com qualquer outro país europeu.
Os resultados de tal risco poderiam ser imprevisíveis. Mas o mais trágico é que nem imprevisíveis foram, precisamente porque países com uma capacidade económica e militar muitíssimo e inquestionavelmente superiores à nossa estavam, na mesma altura em que "colonizávamos" em força, a retirar. E a retirar, nalguns casos, após guerras sangrentas e exaustantes, ainda sem a intervenção tão activa que as potências da "Guerra Fria" vieram a ter na nossa guerra colonial - o que obviamente complicou o nosso "caso" e de que maneira.
Ora, mesmo sem apelar a conhecimentos de índole militar (que não os tenho), o que a História nos diz, hoje, é que tudo ou quase tudo se estaria a compôr para um desastre sem igual desde, talvez, Alcácer-Quibir.
[Claro que haverá quem, lembrando Alcácer-Quibir, afinal encontre nesta comparação a justificação de uma coisa boa (um grande acto de bravura ou coisa do género). Não peço para que me expliquem porque terá sido Alcácer-Quibir uma coisa acertada (????), mas ao menos porque não havia coisa mais acertada para fazer...]
Dito aquilo, não esgota porém tudo o que se pode e deve dizer sobre as acções militares ou, mais concretamente, sobre o patriotismo e a valia dos que responderam à chamada. Aliás, até digo, com a bravura demonstrada, dificilmente teríamos perdido a guerra em termos militares, tivesse ela continuado. Nisto concordo com quem não concordo em quase nada.
O problema é que o nosso patriotismo padeceu do que padeceu a Pátria, obviamente. De nação europeia com uma história grandiosa (que éramos e somos) quis-se o estabelecimento de um império à escala mundial, em distâncias tão longínquas, territórios tão diversos, sobre povos tão diversos...
Acaso não sabíamos, mesmo os que viveram (e nasceram) nas colónias, que a Pátria afinal era e é "aqui" e não "lá"?
Mas, se dificilmente teríamos perdido, é-me igualmente óbvio que, após 13 anos de guerra e salvo nalgum ou noutro local, dificilmente ganharíamos a guerra. Os factos da História encarregaram-se de demonstrar, infelizmente, que a guerra perdurou, sobretudo em Angola e Moçambique, durante quase mais 30 anos!
Não digo que, caso prosseguíssemos em guerra, levássemos esses 30 anos entre as balas e minas do MPLA, da UNITA, da RENAMO, da FRELIMO, etc. Mas sem dúvida teria morrido muito mais gente e, muito mais importante, a "saída" não deixava de ser uma: o fim da guerra por via diplomática.
Esse era o fim inevitável de um tremendo erro.
Quanto ao como acabou e tudo o mais, é outra história (outros erros, infelizmente).
Já aqui o referi, mais de 1 Milhão e meio de portugueses emigrados, mais meio milhão de portugueses que, aliciados pelas ilusões de uns, tiveram de deixar as suas vidas que construíram em África. Mais de 8 a 9 mil mortos entre militares do lado português e desconhecidos milhares entre civis (incluindo portugueses) e militares das outras facções em contenda (não sei a quem agradam mortes que se podem e devem evitar!). Milhares de ex-combatentes que foram arrancados das suas terras, sobretudo das regiões que já referi (onde os esperava a emigração ou a pobreza), que ainda hoje sofrem as consequências.
E não posso também de referir o aspecto económico, igualmente desastroso, como é fácil de concluir. E aqui relembro de novo a Espanha, que se desenvolveu sem "Ultramar", desenvolvendo a Catalunha, o País Basco, etc. E se o dinheiro de Cahora-Bassa, de escolas, hospitais, fábricas, igrejas, investido no "Ultramar", tivesse sido investido em Portugal - no verdadeiro Portugal?
Será que muitas pessoas fazem idéia do como eram certas regiões do País há 40 anos? (como eu vi, por exemplo, a Madeira de então!) Se ainda hoje algumas vivem com dificuldades, imaginem então...
[Quem queira entender, basta olhar para os números. Compare, a taxa de analfabetismo, a esperança média de vida, o número de escolas, de hospitais e postos de saúde, de universidades, de automóveis, televisões e frigoríficos por habitante, o PIB per capita, etc.]
Como é habitual naquele programa, a bem das audiências, perde-se demasiado tempo com intervenções "bombásticas", normalmente muito pouco rigorosas e muito parciais. Velhos "ajustes de contas" entre partidários de ideologias obsoletas.
No entanto, também houve algo que valesse a pena (e que "pena" por vezes foi). Embora dificilmente se possa dizer que qualquer um dos intervenientes fosse o mais objectivo ou o mais politicamente neutral (em favor de um maior rigor histórico, quero dizer), confesso que fiquei agradavelmente surpreendido com os contributos do Coronel Matos Gomes. Surpreendido, obviamente, porque nunca li obra sua nem me recordo de alguma vez o ter ouvido.
Mas para um interessado pela História, como eu, foi de facto um prazer imenso ouvir quem tanto sabe sobre o assunto em questão, tanto como eu julgava não ser possível.
Foi, sem dúvida, o melhor do programa.
Debruçando-me agora sobre o assunto em debate, creio que muito terá ficado por dizer. Sobretudo para esclarecimento dos mais jovens (o mesmo é dizer, em termos de lições para o futuro). Infelizmente, como já referi, sobressaíram velhos ódios e rancores que as sucessivas gerações obstinadamente inculcam nas gerações seguintes, ansiando talvez por vinganças definitivas, desejando quebrar para sempre os ciclos da História pela força, como se tal fosse possível, muito menos desejável.
A minha opinião pessoal é fundada o mais possível nos factos históricos mas também temperada pelo enorme privilégio de conhecer ou ter conhecido - sendo familiar ou amigo - pessoas que viveram o período em causa de maneiras diferentes. Pessoas com convicções diferentes e sortes diversas, que muito estimo ou estimava (muitos já faleceram, infelizmente).
Que penso eu da Guerra Colonial? Ou, mais amplamente, da tentativa de estabelecimento de um império colonial - territorial, entenda-se - em meados do século passado? Simplesmente, foi um erro tremendo. Simplesmente, prejudicou milhões de pessoas e, mais importante para nós, portugueses, o futuro do nosso País durante décadas.
Dito aquilo, convém esclarecer alguns aspectos (que raiam as ideologias, mas vou tentar manter a distância). Ao considerar um erro, faço-o porque penso que, mesmo vivendo sob um regime fascista ou ditatorial (independentemente agora se era mau ou bom, brando ou radical), o nosso País poderia ter seguido outro rumo. Não por ser ou estar de um lado (neste caso, da "esquerda").
Não só isso como posso enumerar boas opções e excelentes obras que o regime de Salazar realizou, sobretudo nas primeiras décadas de existência. Com efeito, quando olho para as décadas de 30 e 40 do século passado, torna-se difícil compreender, por exemplo, como a Espanha conseguiu ganhar-nos tanto avanço (mais significativo nas últimas décadas, é certo - afinal de contas também estiveram na "cauda" da Europa). Enquanto no País vizinho travava-se uma guerra civil cruenta e devastadora, o governo português empenhou-se seriamente no desenvolvimento do País, nomeadamente com a construção de inúmeras infra-estruturas servindo fins diversos, de inquestionável utilidade social.
Tudo isso realça ainda mais o erro, porque foi sem dúvida uma inflexão clara e desastrosa. A partir de certo momento, abrandou ou cessou a construção de escolas, hospitais, estradas ou barragens, em território nacional - inquestionavelmente o nosso território "europeu" e as ilhas atlânticas por nós povoadas. Com flagrante impacto no Interior e na Madeira e Açores, o tempo voltou a parar, pura e simplesmente.
Que foi feito então aos que habitavam essas regiões? Os que puderam emigrar para outros países da Europa ou para a América, fizeram-no. Nos anos 50 teve lugar o maior êxodo da nossa História. Mais de 1 Milhão e meio de portugueses (e bem portugueses!) foram ajudar a enriquecer países terceiros com a sua tenacidade e afinco no trabalho. É justo dizer: que desperdício para Portugal! (e não fossem as remessas...).
Aos restantes, os que ficaram, foi então prometido um futuro de abundância em territórios longínquos, dispersos por este mundo, cujo conhecimento - o necessário e adequado para tal empresa - era ainda deveras deficiente.
Como se não bastasse, todos esses territórios eram habitados (nalguns casos, ao que parece, desde o início da Humanidade) por milhões de autóctones (é verdade, eram milhões), "naturalizados" portugueses não havia muito e, concerteza, com as suas expectativas e anseios relativamente aos seus novos governantes.
É verdade que a realidade era diversa, de território para território, mas sobretudo entre as faixas litorais (com contacto há muito mais tempo - séculos, nalguns casos) e o interior. No entanto, fazendo as contas à vastidão reconhecida e "conquistada" em meados do século passado, não deixava de ser uma realidade nova e perigosa, deixando-nos em verdadeira igualdade de "vantagens" (políticas ou culturais) com qualquer outro país europeu.
Os resultados de tal risco poderiam ser imprevisíveis. Mas o mais trágico é que nem imprevisíveis foram, precisamente porque países com uma capacidade económica e militar muitíssimo e inquestionavelmente superiores à nossa estavam, na mesma altura em que "colonizávamos" em força, a retirar. E a retirar, nalguns casos, após guerras sangrentas e exaustantes, ainda sem a intervenção tão activa que as potências da "Guerra Fria" vieram a ter na nossa guerra colonial - o que obviamente complicou o nosso "caso" e de que maneira.
Ora, mesmo sem apelar a conhecimentos de índole militar (que não os tenho), o que a História nos diz, hoje, é que tudo ou quase tudo se estaria a compôr para um desastre sem igual desde, talvez, Alcácer-Quibir.
[Claro que haverá quem, lembrando Alcácer-Quibir, afinal encontre nesta comparação a justificação de uma coisa boa (um grande acto de bravura ou coisa do género). Não peço para que me expliquem porque terá sido Alcácer-Quibir uma coisa acertada (????), mas ao menos porque não havia coisa mais acertada para fazer...]
Dito aquilo, não esgota porém tudo o que se pode e deve dizer sobre as acções militares ou, mais concretamente, sobre o patriotismo e a valia dos que responderam à chamada. Aliás, até digo, com a bravura demonstrada, dificilmente teríamos perdido a guerra em termos militares, tivesse ela continuado. Nisto concordo com quem não concordo em quase nada.
O problema é que o nosso patriotismo padeceu do que padeceu a Pátria, obviamente. De nação europeia com uma história grandiosa (que éramos e somos) quis-se o estabelecimento de um império à escala mundial, em distâncias tão longínquas, territórios tão diversos, sobre povos tão diversos...
Acaso não sabíamos, mesmo os que viveram (e nasceram) nas colónias, que a Pátria afinal era e é "aqui" e não "lá"?
Mas, se dificilmente teríamos perdido, é-me igualmente óbvio que, após 13 anos de guerra e salvo nalgum ou noutro local, dificilmente ganharíamos a guerra. Os factos da História encarregaram-se de demonstrar, infelizmente, que a guerra perdurou, sobretudo em Angola e Moçambique, durante quase mais 30 anos!
Não digo que, caso prosseguíssemos em guerra, levássemos esses 30 anos entre as balas e minas do MPLA, da UNITA, da RENAMO, da FRELIMO, etc. Mas sem dúvida teria morrido muito mais gente e, muito mais importante, a "saída" não deixava de ser uma: o fim da guerra por via diplomática.
Esse era o fim inevitável de um tremendo erro.
Quanto ao como acabou e tudo o mais, é outra história (outros erros, infelizmente).
Já aqui o referi, mais de 1 Milhão e meio de portugueses emigrados, mais meio milhão de portugueses que, aliciados pelas ilusões de uns, tiveram de deixar as suas vidas que construíram em África. Mais de 8 a 9 mil mortos entre militares do lado português e desconhecidos milhares entre civis (incluindo portugueses) e militares das outras facções em contenda (não sei a quem agradam mortes que se podem e devem evitar!). Milhares de ex-combatentes que foram arrancados das suas terras, sobretudo das regiões que já referi (onde os esperava a emigração ou a pobreza), que ainda hoje sofrem as consequências.
E não posso também de referir o aspecto económico, igualmente desastroso, como é fácil de concluir. E aqui relembro de novo a Espanha, que se desenvolveu sem "Ultramar", desenvolvendo a Catalunha, o País Basco, etc. E se o dinheiro de Cahora-Bassa, de escolas, hospitais, fábricas, igrejas, investido no "Ultramar", tivesse sido investido em Portugal - no verdadeiro Portugal?
Será que muitas pessoas fazem idéia do como eram certas regiões do País há 40 anos? (como eu vi, por exemplo, a Madeira de então!) Se ainda hoje algumas vivem com dificuldades, imaginem então...
[Quem queira entender, basta olhar para os números. Compare, a taxa de analfabetismo, a esperança média de vida, o número de escolas, de hospitais e postos de saúde, de universidades, de automóveis, televisões e frigoríficos por habitante, o PIB per capita, etc.]
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