sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Feliz Natal

É da mais elementar etiqueta bloguística lusa, mas é com todo o gosto que desejo um Feliz Natal a todos os leitores, estejam onde estiverem, com paz e saúde.
E para os que não vão, como eu, gozar a festa em Lisboa (como costumo dizer, passo o Natal na "terra", mas a minha terra é Lisboa...), boas viagens.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Para que não se percam no caminho de casa...

... eis os variados nomes de Lisboa, em diferentes línguas. Agruparam-se segundo a grafia "convertida" (independentemente do alfabeto de escrita), embora foneticamente possam ser diferentes entre si. É possível que as palavras em certos alfabetos não sejam visualizadas correctamente (depende do sistema e fontes instaladas para cada leitor). Também é possível terem passado alguns erros em léxico e grafias alheias - agradecemos a vossa compreensão e, já agora, ajuda para corrigi-los.
Aqui estão eles:

Lisboa: Espanhol, Aragonês, Asturiano, Catalão, Basco, Galego, Veneziano, Ido, Norueguês, Quéchua, Tahitiano, Indonésio, Tagalogue (alternativa) e Vietnamita (alternativa)

Lisbona: Italiano, Corso, Sardo, Siciliano, Piemontês, Romance, Maltês, Albanês, Interlíngua e Arménio*
* - escrito Լիսբոնա

Lisbon: Inglês, Bretão, Galês, Gaélico da Escócia, Cornualhês, Malaio, Ilocano, Capampanganês, Crioulo da Papua, Curdo (alternativa)*, Tagalogue (alternativa), Vietnamita (alternativa), Hebraico**, Bengali***, Punjabi**** e Tailandês*****
* - escrito لیسبۆن
** - escrito ליסבון
*** - escrito লিস্বন
**** - escrito ਲੀਸਬੋਨ
***** - escrito ลิสบอน

Lissabon/Lißabon: Alemão, Baixo Alemão, Luxemburguês, Holandês, Frísio, Limburguês, Africanse, Sueco, Dinamarquês, Islandês, Finlandês, Estónio, Russo*, Azeri*, Tártaro*, Turcomeno*, Uzbeque* e Tajique**
* - escrito Лиссабон
** - escrito Лиссабон ou لیسبان

Lisbonne: Francês, Normando e Crioulo Haitiano

Lisabon: Bielorusso*, Ucraniano *, Búlgaro**, Checo, Bósnio, Croata, Sérvio**, Eslovaco, Alemânico, Curdo (alternativa)*** e Uigure****
* - escrito Лісабон
** - escrito Лисабон
*** - escrito لیسابۆن
**** - escrito لىسابون

Lisabona: Romeno, Moldavo*, Grego**, Letão, Lituano e Occitano
* - escrito alternativamente como Лисабона
** - escrito Λισσαβώνα

Lisbonum*, Olisipo ou Ulisipo*: Latim
* - escrito Lisbonvm ou Vlisipo

Lisbono: Esperanto

Lisszabon: Húngaro

Lizbona: Polaco e Esloveno

Lizboa: Tétum

Lizbon: Turco, Cassubiano, Dimli* e Pashtum**
* - escrito لیزبۆن
** - escrito لزبون

Liospóin (ou Liosbóin): Gaélico Irlandês

Lisibén: Chinês (Mandarim)*
* - escrito 里斯本

Risubon: Japonês*
* - escrito リスボン

Liseubon: Coreano*
* - escrito 리스본

Lišbūnâ/Lishbūnah ou al-Ušbūnâ/al-Aschbouna (nomes antigos): Árabe* e Aramaico (no caso de Lišbūnā)**
* - escrito لشبونة ou الأشبونة
** - escrito ܠܫܒܘܢܐ

Lešbūne (ou Līsbon): Persa*
* - escrito لشبونه ou لیسبون

Lisban: Hindi* e Urdu**
* - escrito लिस्बन
** - escrito لسبن

Lisbun: Yiddich*
* - escrito ליסבון

Lisaboni: Georgiano*
* - escrito ლისაბონი

Lispan: Tamil
* - escrito லிஸ்பன்

Lisipón ou Lisibong: Tibetano
* - escrito ལི་སི་པོང་

Os resultados talvez não sejam tão extravagantes como são, por exemplo, os que obtemos relativamente ao nome Portugal. Mas é curioso notar que as duas designações mais "desviadas" são as de dois antigos senhores da cidade (romanos e árabes)! Não esperaram pelo aparecimento dos portugueses...

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Ainda mais cinema... ibérico

Já que falamos de cinema (ver abaixo), continuemos, porque há mais para divulgar. Desta vez um outro festival que já vai a meio, o Hola Lisboa (decorre de 7 a 17 de Dezembro), festival de cinema ibérico promovido pela Associação Lumiére Noir e pela EGEAC (CML). Está instalado no mítico Cinema São Jorge, à Avenida da Liberdade. Para mais detalhes, façam o favor de visitar o respectivo site.

A talhe de foice, e porque tratamos agora de cinema ibérico, cumpre também informar que hoje mesmo será apresentado em Lisboa (Palácio da Mitra) o novo filme do aclamado realizador espanhol Carlos Saura, intitulado "Fados". Depois de ter realizado "Sevillanas", "Flamenco" e "Tango no me dejes nunca", Saura decidiu completar o ciclo com uma obra-documentário sobre a canção de Lisboa (pois neste caso remete-se apenas à variante "alfacinha").

O filme, que já terá sido rodado na totalidade, contou com a consultoria de Carlos do Carmo (meu caro consócio de outras lides), Rui Vieira Nery e Ivan Dias, sendo que o elenco de fadistas (cantores e guitarristas) inclui ilustres "veteranos" como Argentina Santos, José Fontes Rocha e Raul Nery (pai de Rui Nery), acompanhados dos mais novos Camané, Mariza e Ricardo Rocha (neto de José Fontes Rocha).

Contribuiram ainda outros nomes do "mundo" lusófono, em clara associação do Fado às sonoridades do Brasil e da África lusófona, seja por eventuais raízes comuns, seja por mera similitude natural ou até, como é o caso, porque os próprios artistas em causa têm uma relação muito especial com o Fado: Cesária Évora, Lura, Chico Buarque, Caetano Veloso e ainda a mexicana Lila Downs, esta interpretando um tema de Lucília do Carmo (mãe de Carlos do Carmo) à maneira "ranchera".

Consta que a obra tem forte cunho pessoal de Saura, que se afirma conhecedor de longa data do Fado, tendo reforçado a inspiração com visitas a várias casas lisboetas. Não obstante, e não obstante também a intensa polémica que rodeou a concessão de financiamento por parte da Câmara Municipal de Lisboa (mas aqui a política fica à porta), é uma obra que aguardamos com grande interesse.

E já agora, por entre pesquisas deparei-me com este Portal do Fado que à primeira vista me parece merecedor de mais visitas. Pelo sim, pelo não, passará a constar na barra aqui ao lado.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Ainda bom cinema... em dose de 50

No seguimento do post anterior aproveito para divulgar outro programa, este da Fundação Calouste Gulbenkian - embora também em colaboração com Cinemateca (pela mão de João Bénard da Costa, pontifex da 7ª arte no nosso país).

Aqui fica a introdução ao ciclo COMO O CINEMA ERA BELO - 50 filmes inesquecíveis, tal como apresentada no respectivo site:

Integrado nas Comemorações do Cinquentenário da Fundação e em colaboração com a Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, este Ciclo de Cinema apresenta 50 filmes, numa escolha de João Bénard da Costa. Uma mostra que assinala também a contribuição da Fundação, entre 1973 e 1990, para a divulgação do cinema através da organização de Ciclos, com obras clássicas, que marcaram uma época na formação dos gostos e na cultura cinematográfica em Portugal.

Como é óbvio, esta minha recordatória chega já com atraso, uma vez que já tiveram lugar 21 das 50 sessões. No entanto, ainda há muito de bom para ver, como poderão contatar na programação (onde, para registo, estão também os nomes dos filmes já projectados).
Apesar do que sugere o título ("...era belo"), o "saudosismo" em causa é o da "velha" cinefilia (a dos "telhudos pela tela"), porque quanto às películas seleccionadas, temos das mais antigas até às mais recentes (sendo a mais recente o belíssimo "Novo Mundo" de Terrence Malick).

Faltarão por certo outros grandes filmes, tal como o próprio Bénard da Costa confessou - a sua selecção inicial incluía 214 obras!...
A limitação a 50 poderá significar que temos ali a "crème de la crème" dos filmes? Em parte, porque não se quis deixar de representar alguns excelentes realizadores, em detrimento da abundante proficuidade de outros.
De qualquer forma, o resultado final é de primeira.

Para finalizar, e porque estamos em tempo de compras natalícias, recomendo o livro-guia publicado a propósito (cuja capa ilustra este post), que poderão encontrar aqui (na Fundação - com possibilidade de venda online) ou aqui (na livraria da Cinemateca). Saíu da pena de Bénard da Costa, obviamente.
Custa 27.78 Euros, mas - aproveitem a dica - encontrei-o na livraria da Fundação por apenas 25.

Pena é que algumas das obras (alguns dos meus filmes favoritos) ainda não tenham tido publicação em DVD (ou pelo menos, uma publicação decente). Não é que não prefira a "tela", nem é que tenha Home Cinema por aí além, mas à falta de tempo e oportunidade... venham eles!

PS: tudo isto, em Lisboa, claro!

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Uma das vantagens de ser cinéfilo em Lisboa...

...é viver na cidade da Cinemateca. 2ª feira inicia um ciclo de cinema coreano. 3ª feira, tem tesouros dos primórdios do cinema português (Séx.XIX). São apenas exemplos.
Há cinema todos os dias excepto ao Domingo.
Cinema, e do bom.

Aconselho um saltinho ao respectivo site.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Restauração da Independência

A Bandeira da Restauração, com a nossa Cruz de Cristo

No próximo dia 1 de Dezembro celebra-se o 366º aniversário da Restauração da Independência de Portugal, efeméride a que já demos destaque no ano anterior (ver aqui, uma breve resenha dos acontecimentos históricos e aqui, uma breve referência ao Monumento da Restauração, na Praça dos Restauradores).
Diz muito ao autor e diz muito a Lisboa, que foi onde se desenrolaram os acontecimentos em questão e onde se encontra sedeada a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, a cujo site oficial e cerimónias recomendamos a acorrência (para saber mais sobre as origens da Sociedade, ver o primeiro artigo referido acima).

De qualquer forma, antecipamos aqui o programa das comemorações de 2006:

12h00 – MISSA SOLENE DE ACÇÃO DE GRAÇAS, na Igreja Paroquial de Santa Justa, no Largo de São Domingos;
16h00 – HOMENAGEM AOS HERÓIS DA RESTAURAÇÃO, na Praça dos Restauradores;
17h15 – ASSINATURA DO LIVRO DE HONRA DA S.H.I.P., no Palácio da Independência.

Das 14h30 às 18h30, no Palácio da Independência, decorrem visitas às Exposições “Hinos, marchas, cantos patrióticos e obras dedicadas” – colecção do Maestro Dr. Manuel Ivo Cruz e “Reais Hospitais Militares de S.João de Deus na Fronteira Luso-Espanhola (Séculos XVII e XVIII)”, promovida pela Comissão Portuguesa de História Militar e Ordem Hospitaleira de São João de Deus.


Foram 60 anos sob domínio estrangeiro, em que Lisboa perdeu estatuto e importância (embora nem tudo fosse mau, em determinados aspectos). 60 anos em quase 900 anos de história do País e em 751 anos de Lisboa como capital. Visto assim, é pouco, mas a importância é grande. Neste "canto" resistiram Lusitanos e Suevos a quem de Leste os ameaçou... e venceu. Da mesma forma têm resistido os portugueses durante quase 900 anos, reafirmando a sua identidade e a sua independência. Cuidemos dela, cuidando dos portugueses - afinal foi por isso mesmo que Afonso Henriques lutou.

VIVA PORTUGAL!

Bandeiras da Portugal (incluindo as de maior simbolismo para a independência): reinado de D. Afonso Henriques - o Fundador; reinado de D. João I, Mestre de Avis - o de Boa Memória; reinado de D. João IV, Duque de Bragança - o Restaurador; República Portuguesa

Créditos: imagens retiradas da excelente página História da Bandeira de Portugal mantida por António Martins

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Lisboa de Sophia

Digo:
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insônia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
- Digo para ver


Sophia de Mello Breyner Andresen
(Porto, 6 de Novembro de 1919 - Lisboa, 2 de Julho de 2004)

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Apontamentos sobre a História de Lisboa (III): A Fundação

Já aqui desmistificámos a famosa "lenda de Ulisses". Quanto à hipotética fundação de Lisboa pelos Fenícios, apresentámos argumentos a favor e contra, não sendo possível chegar a uma conclusão segura. Até prova em contrário, pouco ou nada nos diz que Lisboa alguma vez tivesse sido um estabelecimento fenício (ou uma cidade dominada por estes).

Mas, quando chegaram os Romanos, Lisboa já existia... e pareceu-lhes uma cidade antiga. Se bem que a "lenda de Ulisses" possa ser fantasiosa (pelo menos no que à fundação de Lisboa diz respeito), ela demonstra isso mesmo. Não faz muito sentido que os Romanos invocassem um acontecimento tão antigo como a Guerra de Tróia para explicar a fundação de um local "bárbaro" e remoto.
Assim sendo, o que os Romanos encontraram foi uma cidade propriamente dita, de acordo com os padrões "mediterrânicos". Não apenas uma sede de poder local ou um reduto fortificado para protecção de populações agro-piscatórias, mas também e sobretudo um centro de comércio, com relações e influências que se encontravam bem para além da sua região natural.

Ainda que Lisboa não fosse Fenícia, terá tido sem dúvida um papel importante nas antigas rotas trans-ibéricas, em que os Fenícios (através de Gadir - Cádiz) seriam a contraparte final.

Seria Lisboa uma cidade turdúla? É uma possibilidade. Os túrdulos (a par dos turdetanos) eram um conjunto de povos que se crê terem sido os sucessores dos tartéssicos. Tartessos, uma antiga e sofisticada civilização de origem ibérica que desde cedo manteve importantes relações com o Oriente Mediterrânico. De tal forma que foram os Fenícios - precisamente - os que acabaram por destruir o famoso reino, quando a sua região (a futura Andaluzia) era já cobiçada pelos gregos.
Supor que Lisboa já existia ao tempo do Reino de Tartessos (e intimamente ligada a este) parece-nos demasiado abusivo. Aliás, os vestígios do Reino de Tartessos são, ainda hoje, tão frágeis e confusos (embora cada vez menos), que torna-se extremamente difícil construir qualquer hipótese relacionada com o mesmo.

No entanto, as próprias fontes romanas referem que em determinada época terá ocorrido uma migração conjunta de túrdulos e celtas para Norte, tendo os túrdulos ocupado boa parte do litoral Norte do Tejo e os Celtas seguido para o Noroeste Peninsular (Galiza). É uma hipótese...

E por aqui fechamos - por agora - o assunto da fundação da cidade, sem que se consiga chegar a uma conclusão clara.
Com bastante segurança podemos afirmar que Lisboa é de facto uma cidade muito antiga, uma das mais antigas de entre as capitais da Europa. Também sabemos que o seu crescimento e desenvolvimento iniciais deveram-se à influência de povos do mediterrâneo: indirectamente, pelo contacto com civilizações "mediterranizadas" do Sul da Península (Tartessos?); ou directamente, pelo contacto com mercadores fenícios (e outros povos de origem semita).
Fundamentais também terão sido os contactos com o Norte Peninsular e até com o Norte da Europa, desempenhando Lisboa um papel importante como ponto de paragem e de intermediação, quer pela rota marítima mas também (mais importante, porventura) por rotas terrestres. Afinal de contas, a Península era canal privilegiado para o contacto entre fenícios (e depois cartagineses) e o Ocidente europeu.

Em seguida iremos abordar a "romanização" de Lisboa, processo que colocou definitivamente a cidade no "mapa" das grandes civilizações europeias.

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Insólitos da modernidade

Sábado, pelas 9 da noite, faltou a electricidade em muitas zonas de Lisboa. Veio-se a saber que a culpa foi de um navio, num canal fluvial alemão...
Que tempos estes!
Já lá vão outros, em que era preciso chegar um barco do Brasil para saber quem era o Rei de Portugal!

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Avenidas de Lisboa (I): Avenida da Liberdade

Hoje inauguramos uma nova série de textos, para "reanimar" este blogue (está no "estaleiro" mais um texto sobre as origens de Lisboa, mas esse ainda demora).
Vamos percorrer as Avenidas de Lisboa, de forma algo superficial, mas estruturada de maneira a que se conheça parte do património desta cidade e alguns respigos - muito ligeiros - da sua história (e da história do seu urbanismo).
Também não conhecemos em detalhe e com actualidade o estado de preservação de muito do património aqui referido. No entanto, só pelo registo, entendemos que vale a pena.

Começamos pela Avenida da Liberdade, uma das mais antigas (como avenida) e que, em conjunto com a Avenida da República, forma o eixo central da cidade.

A Avenida da Liberdade foi contruída nos finais do Século XIX sobre parte do antigo "Passeio Público".
A sua extensão viria a ser bem maior que a daquele, indo ao encontro de um novo parque, no topo, cuja construção visava compensar a "perda" do parque público (o Parque da Liberdade, que mais tarde daria lugar ao Parque Eduardo VII).
A Sul, foi construída a Praça dos Restauradores, consagrada à "liberdade" de Portugal face a Espanha, reconquistada (restaurada) em 1640. Em conformidade, a nova avenida recebeu precisamente o nome de "Liberdade". E assim se esclarece um equívoco (embora não muito frequente) pelo qual se atribui à Revolução de 1974 a responsabilidade pelo novo nome, supostamente em substituição de um outro. Sempre foi "Avenida da Liberdade" (desde que é avenida), mesmo quando a liberdade, nalguma outra ocasião, se viu ameaçada (em bom rigor, o espírito será o da "Independência").

Recuando de novo no tempo, cumpre recordar que a origem do Passeio Público remonta à época da reconstrução pós-terramoto (1755). Ao tempo do terramoto já existiam na zona algumas construções (sobretudo palácios e palacetes) e primitivos arruamentos, concentrados no que é hoje a parte a Sul. O mais eram hortas e "mata cerrada", até porque terminava ali o perímetro das antigas muralhas da cidade (cerca Fernandina). Desta forma, no Século XVI e em anteriores, a zona era totalmente "campestre".

Por sua vez, a fertilidade dos campos e a própria topografia (em forma de vale suave) encontram explicação na existência de uma antiga ribeira, a de "Valverde" (ou de Sto. Antão), que seguia em boa parte o traçado da actual avenida e se juntava a uma outra ribeira (de Arroios) mais abaixo, desaguando ambas num esteiro do Tejo. Em bom rigor, quer as duas ribeiras quer o esteiro ainda hoje existem... mas no subsolo. As duas ribeiras, encanadas, enquanto o esteiro banha as estacarias de muitos edifícios da Baixa.
No entanto, desde o tempo dos romanos até aos primeiros tempos de Lisboa como capital do Reino de Portugal foram sendo "conquistadas" aquelas terras, de forma progressiva. Enquanto alagadas, eram aproveitadas para o cultivo.

Voltando à evolução da Avenida da Liberdade, foi concebida como artéria de grande circulação, o que entristeceu muitos lisboetas, saudosos do prazenteiro Passeio Público. E, em pouco tempo, o tráfico de barulhentas carruagens começou a dar lugar aos primeiros automóveis - ainda mais barulhentos e ainda mais "endiabrados" para com o sossego dos peões.
Como "refúgio", ainda foram construídas alamedas no meio da avenida, arborizadas, mas que ficavam muito aquém do conceito de "parque". Com o correr dos tempos - e o alargamento das vias rodoviárias - a Avenida tornou-se cada vez menos cativante para o passeio dos alfacinhas.

Como cópia dos "boulevards" parisienses, porém, a Avenida da Liberdade não perdeu interesse. Surgiram edifícios de traça "moderna", alegre e elaborada, contrastando com a sobriedade dos edifícios "pombalinos". Como veremos adiante, a Avenida da Liberdade foi durante algumas décadas uma "montra" privilegiada para os mais arrojados arquitectos, qual "ex-libris" de um novo urbanismo de Lisboa.

Durante o tempo do Estado Novo surgiram novas edificações, deveras interessantes em si (como o edifício do Diário de Notícias, o Hotel Vitória ou o Cinema São Jorge), embora nem sempre em harmonia com o conjunto.
No lugar da antiga Rotunda foi construída a Praça Marquês de Pombal, que reforçou a fluidez de comunicação da Avenida com o resto da cidade. Para ali se deslocou em definitivo o "centro" de Lisboa.
Também nesta época foi "reforçada" significativamente a estatuária da Avenida, como veremos adiante.

Mas se a harmonia arquitectónica poderia ser posta em causa, veio a sê-lo com gravidade nas décadas seguintes... e em boa medida até hoje. De ambos os lados da avenida é difícil encontrar um quarteirão onde não existam aberrações...
Já para não falar nos tempos difíceis por que passaram (e ainda passam) alguns dos mais emblemáticos edifícios, sujeitos ao abandono, à descaracterização quase completa das suas traças ou ainda, a degradação.
Há honrosas excepções, recentes, embora não isentas de polémica.

Em seguida vejamos com maior pormenor o que existe na Avenida da Liberdade.

A Avenida tem cerca de 1.000 metros de comprimento, com início na Praça dos Restauradores, terminando na Praça Marquês de Pombal. Atravessa duas freguesias, a de S. José (a Sul) e a de Coração de Jesus (a Norte). As Ruas do Salitre e de Manuel Jesus Coelho marcam a altura de fronteira.

A Avenida é servida pelo Metropolitano em três pontos: Restauradores (a Sul), Estação da Avenida (a meio) e Estação do Marquês de Pombal/Rotunda (a Norte).

Cruzam ou desembocam na Avenida os seguintes arruamentos (do início para o final):
- Junto aos Restauradores, terminam a Calçada da Glória, a Oeste, e a Rua dos Condes, a Leste;
- O Largo da Anunciada comunica com a Avenida a Leste. A respectiva rua atravessa a Avenida, embora sem comunicação a Oeste;
- Seguem-se a Travessa da Glória e a Rua da Conceição da Glória, a Oeste;
- Acima estão a rua de acesso à Praça da Alegria, a Oeste, e a Rua das Pretas, a Leste. Comunicam entre si cruzando a Avenida;
- Depois, a Oeste, unem-se em nome e no terreno a Travessa e a Rua do Salitre;
- Seguem-se a Travessa da Horta da Cera e a Rua Manuel de Jesus Coelho, que também comunicam entre si cruzando a Avenida;
- Na zona mais moderna (boa parte dos arruamentos referidos acima são bem antigos, como atestam os nomes) surgem, por fim, grandes ruas que atravessam a Avenida de lado a lado. Primeiro a Rua Barata Salgueiro, depois a Rua Alexandre Herculano.

Da estatuária da Avenida da Liberdade consta (do início para o final):
- Busto de Manuel Pinheiro Chagas, escritor, da autoria de Costa Mota e inaugurado em 1908;
- Estátuas e lagos em alegoria aos rios Tejo e Douro, "sobreviventes" da estatuária inicial do Passeio Público, da autoria de Alexandre Gomes;
- Estátua de Simon Bolívar, herói independentista da América Latina, da autoria de Arturo Aguilero e inaugurada em 1978. Foi oferecida por emigrantes portugueses na Venezuela;
- Monumento aos Mortos da Grande Guerra / Combatentes, da autoria de Maximiano Alves e Guilherme Rebello de Andrade, inaugurado em 1931;
- Busto de Rosa Araújo, urbanista (incluindo da própria Avenida), inaugurado em 1936;
- Conjunto das estátuas de António Feliciano de Castilho, Oliveira Martins, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, inaugurado em 1952. As duas primeiras foram da autoria de Leopoldo de Almeida e as duas outras, de Barata Feyo.

Na Avenida da Liberdade, são Imóveis de Interesse Público:
- Hotel Vitória (1934/36), de Cassiano Branco, hoje sede do Partido Comunista Português;
- Pensão Tivoli - Hotel Liz (1925), de Manuel Joaquim Norte Júnior, vencedor do Prémio Valmor de 1925, hoje conserva-se apenas a fachada, integrada no Hotel NH Liberdade;
- Tivoli Cine Teatro (1924), de Raul Lino;
- Edifício do Diário de Notícias (1940), de Pardal Monteiro (onde se podem ver frescos de Almada Negreiros);

Em vias de classificação (ao que apurámos) estão os seguintes edifícios:
- Instituto Camões-Casa da Lusofonia/Palacete Seixas;
- Dois edifícios de habitação (entre os quais a Casa Lambertini), com menções honrosas Valmor de 1904;
- Edificios de habitação geminados, Prémio Valmor de 1915;
- Arquivo Histórico do Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território;
- Cinema São Jorge, Prémio Municipal de Arquitectura em 1950;
- Palácio Lima Mayer, Prémio Valmor de 1902 (o primeiro);
- Palladium (junto ao Elevador da Glória);
- Cinema Condes.

Mais recentemente, receberam os Prémios Valmor os seguintes edifícios:
- Sede do Lloyd's Bank (1988);
- Edifício Vitoria - Vitoria Seguros (1998).

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Lisboa por Miguel de Cervantes Saavedra

"(...) disse um grumete que na gávea grande ia descobrindo a terra:

-Alvíssaras, senhores, alvíssaras peço e alvíssaras mereço! Terra! Terra! Embora melhor diria céu!, céu!, porque sem dúvida estamos na paragem da famosa Lisboa."

Cujas novas arrancaram dos olhos de todos ternas e alegres lágrimas, (...) porque lhes pareceu que já haviam chegado à terra prometida que tanto desejavam.

(...)

-Agora saberás, (...) do modo que hás-de servir a Deus, com outra relação mais copiosa, embora não diferente, daquela que eu te tenho feito; agora verás os ricos templos em que é adorado; verás juntamente as católicas cerimónias com que se serve, e notarás como a caridade cristã está em seu auge. Aqui, nesta cidade, verás como são verdugos da doença os muitos hospitais que a destroem; e o que neles perde a vida, envolto na eficácia de infinitas indulgências, ganha a do céu. Aqui o amor e a honestidade dão as mãos, e passeiam juntos, a cortesia não deixa que se chegue a arrogância, e a bravura não consente que se lhe aproxime a cobardia. Todos os seus moradores são agradáveis, são corteses, são liberais e são apaixonados, porque são discretos. A cidade é a maior da Europa e a de maiores tratos; nela se descarregam as riquezas do Oriente, e a partir dela se espalham pelo universo; o seu porto é capaz, não só de navios que se podem reduzir a número, senão de selvas ambulantes de árvores que os dos navios formam; a formosura das mulheres admira e enamora; a bizarria dos homens pasma, como dizem eles; finalmente, esta é a terra que dá ao céu santo e copiosísimo tributo."

(do Livro Terceiro da História dos Trabalhos de Pérsiles e Sigismunda, trad. pelo De Lisboa)

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Pelo fim do Campo de Tiro em Monsanto...

Nós alinhamos!
Veja no Forum Cidadania Lisboa, a quem devemos a cortesia de nos pôr a par desta e de outras boas iniciativas.

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Eles aí estão

Lisboa recebe por estes dias a Regata Comemorativa do Cinquentenário da 1ª Regata de Grandes Veleiros - a "The Tall Ships' Race 2006".
Aqui ficam a explicação e o programa geral, que poderão ser consultados no respectivo site oficial:

Sagres

Lisboa vai receber, em Julho de 2006, um importante evento náutico, uma Regata de Grandes Veleiros (do género do Navio Escola "SAGRES") que envolve cerca de 80 navios de várias classes, entre os quais os mais belos veleiros do mundo, e cerca de 3.000 jovens tripulantes de diferentes nacionalidades.

A concretização deste grande festival de vela, resulta do Acordo assinado pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa com o Presidente da Sail Training International, organização que realiza anualmente estas Regatas e de que Portugal faz parte através da APORVELA.

Creoula

Esta Regata, terá o seu início com a concentração de veleiros em St. Malo – França, de 6 a 9 de Julho, donde sairão para a Primeira Regata com linha de partida em Torbay, ao sul de Inglaterra, e a terminar em Lisboa, repetindo assim a Regata de 1956.

A frota dos veleiros participantes que se prevê comecem a entrar no porto de Lisboa a partir de 17 de Julho, terá nesta cidade um Programa Oficial de 20 a 23 de Julho, o qual terminará, neste último dia, com um Desfile Naval no Tejo.
Os veleiros seguirão em cruzeiro para Cadiz - Espanha, com escala neste porto de 26 a 29 de Julho, e dele para a Corunha - Espanha, também em cruzeiro, com escala de 7 a 10 de Agosto.

Vera Cruz

Finalmente, em 10 de Agosto, a frota de veleiros sairá da Corunha para a Segunda Regata que terá o seu final em Antuérpia – Bélgica, onde ficarão de 19 a 22 de Agosto, para a celebração final deste grande evento náutico.


Para além das visitas e demais actividades que terão lugar até Domingo (dia 23 de Julho) destacamos a partida dos veleiros com o Desfile Naval nesse mesmo dia, desde as 11 horas da manhã, passando em frente à Torre de Belém cerca das 12 horas.

Um acontecimento bonito, que recorda o de há 50 anos atrás, no mesmo cenário - tão apropriado como sabemos.

Como nota de rodapé, refira-se que participam os nossos navios "Sagres" e "Creoula" (ambos da Marinha portuguesa), entre as 19 embarcações de classe A (de maior dimensão), a caravela "Veracruz" (réplica moderna) em classe B e o "Delta", em classe D.

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Alfama


Voltamos a assuntos de toponímia, desta vez contemplando um dos mais antigos bairros de Lisboa, Alfama. Que o nome terá origem árabe, parece óbvio. E é.

Alfama deriva de "Al-Hama" (ou "al-hamma"), designação que surge de forma mais fiel e com expressiva abundância na vizinha Espanha. De facto, são inúmeras as "Alhamas" do outro lado da fronteira. Estranhamente, em Portugal, apenas se conhece a "Alfama" alfacinha (?)...

O que significa "al-hama"? Segundo apurámos, significa fonte termal ou de águas tépidas. Numa interpretação mais lata e adaptada, poderá significar também "banhos" (ou "banhos termais"). São inúmeros os locais em Espanha em que a associação do nome "Alhama" é justificada precisamente por aquelas circunstâncias.

Então o nome da Alfama lisboeta também se deve à existência de nascentes de águas termais? Hoje em dia, poderá parecer estranho. Mas há algumas décadas atrás, ainda no Séc. XX, seria mais fácil de entender. Com efeito existiam ali várias nascentes (e existem ainda, se bem que soterradas e com menor caudal) das quais brotava água a temperaturas acima do normal e, nalguns casos, com propriedades terapêuticas reconhecidas. Até ao início do século passado existiam mesmo "banhos públicos" para aproveitamento dessas águas. Contudo, dada a precaridade dessas explorações bem como a progressiva contaminação das águas, tais estabelecimentos desapareceram.

De assinalar que há poucos anos (2002) surgiu um projecto para reaproveitamento dessas nascentes, não ignorando até o seu potencial como fonte de energia alternativa (calorífera). Não sabemos como está esse projecto, mas é bem interessante.

Assim sendo, o nome "Alfama" não corresponde ao de bairro ou reduto de densa aglomeração, como alguns defendem.

Como nota final, existe uma "Al-Hamma" em territórios disputados pela Síria e Israel (que a ocupou nos anos 50 do século passado), reputada... pelos seus banhos termais.

domingo, 28 de maio de 2006

Feira do livro, festa do saber

Está a cidade ocupada por coloridas vacas, com "cidades" de música dentro de si (a do Rio, com "Rock", e a de uma conhecida marca cerveja), mas também temos mais do costume, ou antes diria... mais do bom costume. E é de facto um ritual indispensável a visita à Feira do Livro de Lisboa. Boa feira e boas leituras!

terça-feira, 2 de maio de 2006

Avenida de Ceuta

Mais uma tragédia, atropelamento e morte de uma criança de 8 anos. Colocam-se umas lombas, para além dos limitadores de velocidade que já existiam (mais uns sinais de controlo de velocidade que por si só, obviamente, nada controlam).
Das poucas vezes que lá costumo passar (1 vez ao mês) devo ter visto 2 ou 3 carros em respeito do limite de velocidade. Agora não deverá mudar muito, porque para a maioria o arranjo da suspensão na oficina não é nada comparado com a necessidade de acelerar e chegar 2 ou 3 minutos mais cedo ao destino.
Assim sendo, a moral da história é esta: o valor de uma vida humana anda mesmo por baixo.

Cuidem-se os peões! Quanto aos automobilistas, pensem bem. Pensem no crime. Façam contas aos míseros minutos que ganham arriscando acabar com uma vida.

quinta-feira, 27 de abril de 2006

Arrumações

Às visitas da casa informo que a coluna de ligações sofreu uma arrumaçãozita (não devendo ser a última).

Assim, se quiserdes passar a blogues e sítios não institucionais, todos relacionados com Lisboa, tendes um único ponto, com separação inferior entre blogues e sítios.
Abaixo desse tendes um novo ponto, com os espaços que não sendo sobre Lisboa (ou só sobre Lisboa), são-nos simpáticos e/ou tiveram a simpatia de nos recomendar, para além dos que são propriedade (intelectual, que seja) de amigos deste vosso anfitrião.

Quanto à ordem das ditas ligações, está feita à medida das ligações e visitas que nos chegam de cada espaço, como gentil retribuição.

Lá para o fundo da lista abrimos mui mundana secção, com ligações "desportivas". Também padeço dessa "doença" (e de uma maior dentro dessa, como poderão constatar). Mas que fiquem apenas como ligações, que não é intenção trazer para aqui discussões de futebol.

Posto isto, passem por favor aos "posts" abaixo, que são frescos, não deixando de solicitar as vossas contribuições no caso de acharem que estamos em falta para com algum espaço em matéria de ligações.

quarta-feira, 26 de abril de 2006

São Vicente, aqui e ali

Num recente passeio pela bela cidade espanhola de Valência deparei-me com algo intrigante. Constatei que São Vicente era o padroeiro da cidade, merecendo inúmeras referências (incluindo o nome de uma das ruas principais) e até que, como se anunciava, por lá estariam restos (se é que assim se pode falar) do seu corpo.
"Mas o que é isto", pensei eu, "então o pobre São Vicente não se encontra na Sé de Lisboa desde os tempos (e por ordem) de Afonso Henriques, depois da tal viagem desde Sagres, acompanhado pelos dois corvos?".

Na Catedral da cidade lá percebi um pouco melhor do que se tratava. Ali apresentam uma relíquia em particular, que afirmam ser um dos braços do Santo mártir. Não sei se será verdade ou não, até porque a questão das relíquias de São Vicente sempre foi controversa e cheia de elementos de lenda.

Estará assim um dos braços em Valência e o resto do corpo em Lisboa? E dado que em Paris, Le Mans e Saragoça, também reivindicam a posse de outras relíquias, afinal o que estará em Lisboa?

Não sei se valerá a pena saber o que é verdade ou não, até porque este macabro "retalhar" de relíquias não me parece nada dignificante.

Que fique no entanto para registo que São Vicente também é padroeiro de Valência...

quinta-feira, 20 de abril de 2006

Casino

Ora aí está o primo do velho Casino Lisboa de Macau, assente na cidade que lhe deu o nome.
Como cliente, nem é preciso dizer mais. Dificilmente lá entrarei.
Agora quanto à utilidade da coisa... uf!
Veja-se como um projecto como o da Expo, que podia resultar em tanta coisa engraçada, afinal...
Mas quem sou eu, se até a Ministra da Cultura lá foi benzer o sorvedouro de poupanças de miúdos (>18) e graúdos. O Sr. Ho, por sua vez, mostra que não perdeu o jeito de amealhar à pala do Estado português. Deve ser recorde!

terça-feira, 4 de abril de 2006

De novo

Acabaram-se as tais férias há muito, mas este blogue continuou em descanso. Aceitem as minhas desculpas e, logo abaixo, novo "post"!

Apontamentos sobre a História de Lisboa (II): A Fundação

Se bem se recordam, no post anterior desta série analisámos as informações que nos deixaram os romanos sobre a fundação de Lisboa. Estas permitiam concluir, em primeiro lugar, que Olissipo já existia aquando da sua chegada (facto este sem margem para dúvidas). Por outro lado, pondo em relevo as fragilidades da lenda que atribuía a fundação ao herói grego Ulisses, concluímos que muito dificilmente Lisboa teria sido fundada pelos gregos, mas também que os romanos (e gregos), afinal, não conheceriam a origem da cidade ou que, por alguma razão, não revelaram para a posteridade o que poderiam saber.

Posto isto, resta-nos seguir uma outra hipótese que veio a ganhar mais força em tempos recentes. Embora não seja naturalmente suportada por qualquer documentação da época ou próxima (ou referência epigráfica, que seja - tenha-se em atenção que tratava-se da "alvorada" do uso da escrita), baseia-se em importantes achados arqueológicos e por consequência em deduções que, não sendo assim comprovadas por completo, apresentam uma solidez "científica" bem mais interessante. Trata-se da hipótese da fundação de Lisboa pelos fenícios.
Por competirem directamente pelo domínio do Mediterrâneo, sabemos que romanos e gregos não tinham especial gosto em realçar os feitos de um povo de origem semita, para mais protegido - a determinada altura - pelos egípcios. Mas sabemos também que Lisboa existia e comunicava já desde há muito com povos do Mediterrâneo oriental ou, pelo menos, com intermediários fortemente ligados e influenciados pelos mesmos.

Ao longo de toda a costa portuguesa descobriram-se vestígios/artefactos de origem fenícia, oriental ou orientalizante. Por outro lado existem fortes indícios de que os fenícios terão navegado com alguma frequência bem para além do Estreito de Gibraltar, atingindo a costa atlântica de França, possivelmente as Ilhas Britâncias e até mesmo a Escandinávia. Aliás pode mesmo afirmar-se que em matéria de engenharia naval gregos e romanos pouco vieram acrescentar ao notável e revolucionário legado dos fenícios, só comparável ao que árabes e portugueses conseguiriam séculos mais tarde.

A juntar a tudo isto, sabemos também que os fenícios estabeleceram uma série de entrepostos e colónias em boa parte do Mediterrâneo, incluindo a Península Ibérica, sendo que a situação e topografia dos locais escolhidos seguia um padrão interessante para a nossa questão. Começando logo pela própria origem, podemos verificar que as "cidades-mãe" fenícias de Tiro e Sídon, por exemplo, situavam-se em saliências costeiras com boa protecção, não só face a ameaças marítimas, mas também face ao interior (no caso de Tiro, até foi durante muito tempo uma ilha).
Não muito diferente estava Cartago (do fenício Kart-Hadash, hoje em Tunis, na Tunísia), uma das primeiras e principais (senão a principal) colónias "ultramarinas" dos Fenícios, instalada numa península ladeada por uma grande e abrigada baía. Gadir (Cádiz), por sua vez, era a maior colónia "ibérica" e encontrava-se numa ilha de forma alongada e paralela à costa (também só posteriormente ligada ao continente, no seu extremo oriental).
Por aqui poderemos imaginar uma Lisboa fenícia, abrigada do mar junto a uma grande enseada (o estuário do Tejo), protegida do lado interior por colinas e serranias. Uma cidade que seria ponto de escala perfeito (e raro) na difícil costa atlântica, a caminho dos mares do Norte. Uma cidade na foz do maior rio da península, cuja navegabilidade ao tempo permitia - associada com o domínio do Guadiana e do Guadalquivir - fazer fluir trocas comerciais com quase todo o interior.
Chamaram-na, supõe-se agora, "Allis Ubbo", a tal "enseada amena".

No entanto, mesmo que o referido acima tenha muita lógica, outros dados "baralham" significativamente a questão. Se é certo que os fenícios e os seus produtos chegaram a Lisboa, não existem indícios que permitam afirmar que Lisboa tivesse sido fundada como cidade, colónia ou até como mero entreposto fenício. Pelo contrário, grande número de especialistas argumenta que no actual território português não terão existido quaisquer colónias fenícias, mas sim povoados ou cidades fortemente relacionados e/ou influenciados pelas colónias de Gadir e Cartago.

A expansão terriorial fenícia (como a Cartaginesa ou púnica) nunca terá tido grande expressão no nosso território. E mesmo a importância de Lisboa como ponto fundamental de uma intensa navegação atlântica poderá não passar de uma conjectura. Apesar de terem sido marinheiros exímios e criadores revolucionárias embarcações, a valia dos fenícios terá sido mais evidente no próprio Mediterrâneo. Com isto não se invalidam os relatos que apontam para uma pioneira e vasta exploração das costas atlânticas (de Europa e África). Poderão e deverão ser verdadeiros. No entanto poderão não ter passado disso mesmo, viagens de exploração, pontuais e sempre arriscadas. Os fenícios (bem como os romanos, gregos, por muitos séculos depois) nunca terão conseguido dominar suficientemente as águas do Atlântico por forma a estabelecer rotas marítimas regulares. Navegavam à vista da costa, o que, em caso de violentas tormentas (como são vulgares), impossibilitava progressos fáceis.

Por outro lado existem provas significativas de que o comércio de Gadir com os territórios do Atlântico Norte era feito sobretudo por via terrestre, com a intermediação de povos indígenas. Uma das rotas, que se manteve até ao tempo dos romanos, cruzava precisamente o Guadiana até chegar à costa norte de Espanha, onde por sua vez desembarcavam os produtos trazidos pelos povos da costa europeia do Atlântico Norte e das Ilhas Britânicas. O comércio com a Lisboa de então, que de facto existia, também seria em grande parte realizado por via terrestre, seguindo uma rota que entroncava dessa rota principal, atravessava o actual Alentejo e terminava na outra "banda" do Rio Tejo.

Apesar de preterida, também haveria a rota marítima, ao que parece, mas mesmo assim não suporta a hipótese de uma Lisboa fenícia. Invocando de novo os dados arqueológicos obtidos até à data, é bem mais provável que um assentamento fenício, a existir, fosse localizado... na península de Setúbal. O melhor "candidato" a essa condição até hoje descoberto (embora, repetimos, não infalivelmente comprovado) é o antigo povoamento de Abul, a norte de Alcácer do Sal. Situava-se em pleno estuário do Sado e estava protegido pela península de Tróia, bem ao "estilo" dos fenícios.
Outro local de referência, de estudo mais recente e ainda mais próximo de Lisboa, é a Quinta de Almaraz (em Almada). Tendo em conta as preferências dos fenícios, a sua situação parece-nos mais perfeita ainda. É até possível que já nessa época a zona adjacente de Cacilhas fosse local privilegiado para reparações navais, como se mantém ainda hoje. Dali também se dominava o estuário do Tejo, para além de ser mais fácil a ligação terrestre ao Sul da Península, à rota "alentejana" com Gadir (seria ali que terminava?).

Completando o panorama, alguns estudiosos afirmam que Lisboa era de facto um centro importante à época dos fenícios, mas seria habitada por outros povos, que embora habituados ao contacto com o "mundo" mediterrânico (com fortes ligações à pretensa feitoria instalada na outra margem), teriam uma origem não-mediterrânica.
Esta hipótese, até mais ver, parece-nos a mais credível.

Quem seriam? E desde quando?
É o que vamos tentar ver noutros artigos, mas dispomos de muito pouca informação.
Em bom rigor, talvez nunca saibamos exactamente quem e quando fundou Lisboa. Com inúmeros terremotos e variadas ocupações, talvez nem a própria arqueologia alguma vez nos possa providenciar uma chave ou elo perdido. Afinal de contas, a zona (incluindo sítios da cidade actual) foi ocupada desde a pré-história...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Pequenas Férias

O blog tem estado meio parado nas últimas semanas... como tal, uma semana de férias pouca diferença deveria fazer. Mas faz. Vamos "recarregar baterias" e depois volta à carga o De Lisboa!

Até já!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

O Grande Terramoto... de 1531

Arrancou este blogue no dia em que se lembraram (e lembrámos nós também) os 250 anos volvidos sobre a ocorrência do grande terramoto de 1755. Pois bem, na data de hoje e embora muitos o não saibam (ou não sejam recordados, nomeadamente através da comunicação social) cumprem-se 475 anos sobre a ocorrência de um outro terramoto que destruíu Lisboa, o de 1531.

Acontece que esse sismo em pouco ou nada ficou a dever em termos de destruição e mortandade em relação ao de 1755, 224 anos depois (segundo algumas fontes até terá sido mais devastador ainda), sendo que entre uma e outra data se registaram outros sismos de importância considerável.
Porque é que são menos conhecidos os impactos de 1531? Desde logo, pela sua maior distância no tempo, não sendo de menosprezar também a maior facilidade com que a tragédia de 1755 foi difundida por esse mundo fora (considerando uma comunidade estrangeira em maior número ainda).
No entanto e curiosamente o género de impactos até nem foi muito diferente. Já em 1531 houve quem explicasse a tragédia como sendo um castigo "divino". E se podemos pensar que na altura - e ao contrário do sucedido num "enlightened" 1755 - tal tese passou aceite sem reservas, desenganem-se. Nem mais nem menos que o nosso Gil Vicente tomou a iniciativa de refutar (com a "razão", o seu talento e o beneplácito régio) o alarde de um grupo de frades de Santarém que acusava a presença dos judeus em Portugal como motivo da ira de Deus. Este facto não deixa de ser também curioso, uma vez que a expulsão dos judeus, logo transformada em conversão forçada, havia sido decretada 35 anos antes. Eram então perseguidos como "cristãos-novos", pelos vistos ainda em comunidades numerosas (assim foi a versão portuguesa da sua expulsão)...
Ora se em 1531 Deus castigava Lisboa pela impureza dos semitas, em 1755 condenava-se o deboche e liberalidades importadas de Itália ou França. Seria claro de ver, ainda antes de quaisquer avanços sensíveis em sismologia, que a explicação "divina" apenas alimentava mais desgraças para uns quantos infortunados.

Se a informação sobre os danos sofridos em 1531 não é tão completa como aquela que dispomos sobre o sismo de 1755, sabe-se no entanto que os impactos no interior (Ribatejo e Alentejo) foram mais significativos. Aliás o epicentro em 1531, segundo os estudos, terá sido entre Vila Franca de Xira e Azambuja, enquanto que em 1755 crê-se que estivesse localizado no oceano. Também é certo que os principais edifícios de Lisboa tiveram de ser parcialmente reconstruídos ou renovados. Não há notícia de maremoto ou de grandes incêndios em 1531, o que em parte pode explicar também um grau de destruição menos avassalador que em 1755. Como exemplo, o Hospital Real de Todos os Santos, já existente em 1531, só veio a desaparecer em 1755...

Para finalizar, em 1755 como seria lembrado o terramoto de 1531 (224 anos depois) e de que forma tal poderia contribuir (ou não) para uma melhor preparação? Já estaria suficientemente esquecido? E hoje, 250 anos depois do de 1755, estaremos avisados?

sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

Causa (tristemente) perdida

No seguimento do post anterior, já só nos resta constatar - uma vez mais - que a voracidade das escavadoras em prol dos grandes desígnios imobliários é mais forte que a defesa do património.
Fica o exemplo de admirável luta - esta inglória - do Cidadania Lisboa, com a promessa e o desejo que as lutas vindouras não sejam para perder. Senão perdemos nós, perde Lisboa e o País.
Três hurras para os condomínios de luxo... de luto a memória por Garrett.

terça-feira, 10 de janeiro de 2006

Casa de Garrett: tarde (?)

À laia de advertência, saiba-se que este autor é bastante prudente no que possa dizer respeito aos limites e oportunidades de preservação "física" da memória (seja da vida grandes homens e mulheres da história). A minha "balança" pende quase sempre em favor da defesa do património, não está isso em causa, mas sim uma definição razoável do que pode ou não ser considerado "património". Já lá vamos.
Por outro lado e abordando já mais directamente o assunto em título, também não sou cego entusiasta de certa "defesa" do património que mais não faça do que adiar a sua degradação, preservando-o mas escondendo-o ou até mesmo desvirtuando-o e sacrificando-o à "cultura para os cultos" ou à "preservação de fachada". Por outras palavras, o ter "casas-museu" que não sejam nem uma coisa nem outra (sim, porque ainda se fôrem habitadas mas cuidadas, do mal o menos), não sei muito bem que benefícios (tangíveis ou não) trará aos cidadãos e à cidade. Esporádicos actos de remorso de consciência em vez da preservação e divulgação contínuas?

Apesar do que o acima escrito possa deixar entender, sou contra a demolição da casa onde viveu e faleceu Almeida Garrett. No entanto é bem possível que a fragilidade e considerável incipiência permanente de certas soluções comuns possam ter feito pender a "balança" da CML para o lado contrário. Vem-me à razão outro caso actual, o da Casa Fernando Pessoa. Não me vou alongar sobre o mesmo, mas para certos autarcas poderá ser um descanso que não se descrubram casas, cafés ou bancos de jardim (e afins) por onde tenham passado os ilustres, sob o risco de lá terem de dispender mais umas quantas verbas em nome apenas das paredes antigas (ou só mesmo fachadas).
Isto não conforma apenas uma simples denúncia da ganância pelo vil metal (que o condomínio de luxo, muito obviamente, satisfará de imediato) nem justifica ou desculpa a Câmara Municipal de Lisboa (pelo contrário). O que me intriga e perturba é a inexistência de vontade e capacidade para, após reabilitação, valorizar e divulgar o património cultural associado. Por outra, fazendo bem a coisa, haverá dúvidas entre o valor absoluto e duradouro do dito património e o valor do condomínio? Outra coisa que me faz confusão é que se permita que este tipo de património possa chegar - nas mãos dos seus proprietários - a um estado de degradação tal que não permita senão o seu fim. Não tenho dúvidas que o proprietário, tendo de escolher entre uma oferta da Câmara Municipal e uma dos promotores privados, dificilmente não se decidirá pela dos segundos. Isto se estiver apenas o "encaixe" financeiro em causa. Porque coisas como ordenamento urbano ou preservação da harmonia arquitectónica - mesmo já sem considerar a história subjacente - afinal, de que valem? Porquê valorizar uma rua/zona inteira com património cultural? Cultura, isso come-se?
São os tempos em que vivemos. Cinzentos! Mas há dinheiro para fazer estádios de futebol (e só de futebol - atente-se)...

segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Apontamentos sobre a História de Lisboa (I): A Fundação

Ao que pudémos apurar nas nossas pesquisas não existem ainda certezas sobre a fundação da cidade de Lisboa (quando e por quem). Aliás as dúvidas e erros sobre o assunto são quase tão antigos como ela, dificultando e mesmo desviando o caminho de muitos dos que têm investigado ao longo dos séculos.

As primeiras evidências documentais (de entre as que chegaram até aos nossos dias) foram obra dos romanos (nalguns casos apoiando-se em textos gregos). Embora tivessem fornecido a primeira explicação para a origem da cidade, não deixaram de nos legar dúvidas... mas também preciosas indicações, por muito óbvias que nos pareçam. Desde logo ficámos a saber que Lisboa não foi fundada pelos próprios romanos... e que já existiria há bastante tempo antes da sua chegada.
Ao analisar a teoria "romana" para a fundação poderemos ir mais longe ainda. Largamente difundida e aceite até tempos muito recentes, a versão dos romanos apontava o herói grego Ulisses como tendo sido o fundador de Lisboa. Com que razões? Em primeiro lugar poder-se-ão ter baseado no facto (já confirmado) de que Lisboa, aquando da chegada dos romanos, já era uma cidade com fortes e antigos laços com outros povos do Mediterrâneo. É bastante provável que os romanos encontrassem assim alguns traços helenizantes (ou que os entendessem como tal), para além da existência de rotas comerciais onde não faltariam (e não faltaram, como está provado também) produtos oriundos de colónias gregas.
Em segundo lugar e aos olhos dos romanos a criação de um "mito" fundador com raízes helénicas - ainda que não entendessem como tal - era também uma forma de integrar perfeitamente a cidade no "mundo" greco-romano, excluindo assim a intervenção de povos considerados hostis ou indignos face à superioridade da sua civilização. Ao fazê-lo, como veremos, os romanos afastavam deliberadamente a influência de povos "bárbaros" bem como os antigos e acérrimos rivais do mesmo "mundo": fenícios e cartagineses (de origem fenícia).
Esta segunda ordem de motivos, alheia à objectividade e ao rigor histórico, levanta desde logo sérias suspeitas. E os factos conhecidos ajudam a deitar por terra esta teoria "romana", por muito tempo que esta tenha sobrevivido... sobretudo por ter sido (e é) tremendamente apelativa aos historiadores e não-historiadores "românticos" que se sucederam. Seria de facto uma bela lenda, mas é de facto uma lenda. Senão vejamos:
Em momento algum nos é indicado claramente que Lisboa, à data da chegada dos romanos, seria ela própria uma colónia grega ou sequer contasse com uma presença significativa de cidadãos gregos. Nem por outro lado deixaram os próprios gregos evidências nesse sentido. Aliás esta fragilidade permitir-nos-ia concluir que, mesmo pondo Ulisses de parte, também não tenham sido os gregos a fundar Lisboa de todo. Os achados arqueológicos - não só em Lisboa mas em toda a Península Ibérica - parecem confirmá-lo: não terá existido nenhuma colónia grega, inteiramente como tal, no actual território português. É um facto que existiram efectivamente colónias gregas na Península Ibérica mas, contrariando certas generalizações, estas e os seus territórios ter-se-ão limitado à costa mediterrânica. E tal deveu-se, em grande parte e precisamente, à concorrência do "mundo" fenício...
Também é um facto que, antes dos romanos, os navegadores/comerciantes gregos terão explorado e viajado com alguma frequência pelas costas ocidentais, como atestaria o "périplo massaliota" principal fonte do poema "Orla Marítima" (do romano Avieno). No entanto nada dos indica que se tratassem de algo mais que contactos pontuais ou meramente comerciais com a zona de influência da colónia grega de Massalia (Marselha, em França). E uma vez mais tudo isto terá ocorrido num espaço de tempo não muito considerável, desde a efectiva decadência do poder de Cartago no Sul e Ocidente da Península até à chegada dos romanos.
Ainda que ao se comprovar que Lisboa não terá sido "grega" possam permanecer algumas dúvidas, a própria lenda encerra ainda outras grandes imprecisões. Diz a mesma que Ulisses e os seus bravos soldados, depois de vencida a guerra de Tróia, teriam iniciado uma errática viagem pelo Mediterrâneo, fazendo descobertas e cometendo novas façanhas. Entre elas deduziu-se a fundação de Olisipo, que deveria o seu nome ao herói (Ulisses/Olisis - Ulisseia/Olisipo). Ora, para começar, pouco ou quase nada do que foi relatado sobre as próprias Guerras de Tróia e eventos relacionados (incluindo a existência de Ulisses) foi até hoje comprovado histórica e arqueologicamente. Aliás a Odisseia encontra-se impregnada de elementos claramente mítológicos e não verdadeiros, tal como hoje é possível destacá-los nos próprios Lusíadas, por exemplo, uma vez que o próprio Camões tomou por influência de forma e estilo, precisamente, os épicos gregos (sabemos que não existe nenhuma ilha dos amores, certo?).
Para além disso, há um pormenor (ou não) curioso. É que "Ulisses" trata-se da posterior designação latina. Em grego e originalmente o verdadeiro nome do herói era "Odysseus". Assim sendo seria muito estranho que Odysseus ou os gregos que se seguiram baptizassem a cidade de acordo com o nome romano...
Por fim e mesmo atendendo à cronologia normalmente proposta para aqueles eventos (considerando que em parte tenham sido verdade), chega-se à conclusão de que Ulisses, caso tivesse chegado a Lisboa, provavelmente já não a teria de fundar (já existia...).

Refutada assim a versão romana para a fundação de Lisboa, ainda assim, ficam algumas certezas... pela negativa: os romanos não faziam idéia (ou não queriam fazer) de quem teria fundado Olisipo nem de qual a origem do próprio nome; Olisipo não era uma colónia grega; Olisipo já seria, ao tempo chegada dos romanos, uma cidade antiga e de importância considerável, tendo aqueles adoptado o nome pelo qual os próprios habitantes conheciam a sua cidade, transmitido ao longo de séculos (e assim conhecido por gerações sucessivas de navegadores de diferentes origens).

Sendo assim, antes de romanos e gregos, quem teria fundado Lisboa? Os "suspeitos" que se seguem são os povos que antes daqueles deixaram as suas marcas na Península: Fenícios e Cartagineses (de origem fenícia). Terão sido eles? Fica para próximo artigo... porém adiantamos que, em nossa opinião, Lisboa também não nasceu como "Allis Ubbo", cidade fenícia...