quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

O Grande Terramoto... de 1531

Arrancou este blogue no dia em que se lembraram (e lembrámos nós também) os 250 anos volvidos sobre a ocorrência do grande terramoto de 1755. Pois bem, na data de hoje e embora muitos o não saibam (ou não sejam recordados, nomeadamente através da comunicação social) cumprem-se 475 anos sobre a ocorrência de um outro terramoto que destruíu Lisboa, o de 1531.

Acontece que esse sismo em pouco ou nada ficou a dever em termos de destruição e mortandade em relação ao de 1755, 224 anos depois (segundo algumas fontes até terá sido mais devastador ainda), sendo que entre uma e outra data se registaram outros sismos de importância considerável.
Porque é que são menos conhecidos os impactos de 1531? Desde logo, pela sua maior distância no tempo, não sendo de menosprezar também a maior facilidade com que a tragédia de 1755 foi difundida por esse mundo fora (considerando uma comunidade estrangeira em maior número ainda).
No entanto e curiosamente o género de impactos até nem foi muito diferente. Já em 1531 houve quem explicasse a tragédia como sendo um castigo "divino". E se podemos pensar que na altura - e ao contrário do sucedido num "enlightened" 1755 - tal tese passou aceite sem reservas, desenganem-se. Nem mais nem menos que o nosso Gil Vicente tomou a iniciativa de refutar (com a "razão", o seu talento e o beneplácito régio) o alarde de um grupo de frades de Santarém que acusava a presença dos judeus em Portugal como motivo da ira de Deus. Este facto não deixa de ser também curioso, uma vez que a expulsão dos judeus, logo transformada em conversão forçada, havia sido decretada 35 anos antes. Eram então perseguidos como "cristãos-novos", pelos vistos ainda em comunidades numerosas (assim foi a versão portuguesa da sua expulsão)...
Ora se em 1531 Deus castigava Lisboa pela impureza dos semitas, em 1755 condenava-se o deboche e liberalidades importadas de Itália ou França. Seria claro de ver, ainda antes de quaisquer avanços sensíveis em sismologia, que a explicação "divina" apenas alimentava mais desgraças para uns quantos infortunados.

Se a informação sobre os danos sofridos em 1531 não é tão completa como aquela que dispomos sobre o sismo de 1755, sabe-se no entanto que os impactos no interior (Ribatejo e Alentejo) foram mais significativos. Aliás o epicentro em 1531, segundo os estudos, terá sido entre Vila Franca de Xira e Azambuja, enquanto que em 1755 crê-se que estivesse localizado no oceano. Também é certo que os principais edifícios de Lisboa tiveram de ser parcialmente reconstruídos ou renovados. Não há notícia de maremoto ou de grandes incêndios em 1531, o que em parte pode explicar também um grau de destruição menos avassalador que em 1755. Como exemplo, o Hospital Real de Todos os Santos, já existente em 1531, só veio a desaparecer em 1755...

Para finalizar, em 1755 como seria lembrado o terramoto de 1531 (224 anos depois) e de que forma tal poderia contribuir (ou não) para uma melhor preparação? Já estaria suficientemente esquecido? E hoje, 250 anos depois do de 1755, estaremos avisados?

sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

Causa (tristemente) perdida

No seguimento do post anterior, já só nos resta constatar - uma vez mais - que a voracidade das escavadoras em prol dos grandes desígnios imobliários é mais forte que a defesa do património.
Fica o exemplo de admirável luta - esta inglória - do Cidadania Lisboa, com a promessa e o desejo que as lutas vindouras não sejam para perder. Senão perdemos nós, perde Lisboa e o País.
Três hurras para os condomínios de luxo... de luto a memória por Garrett.

terça-feira, 10 de janeiro de 2006

Casa de Garrett: tarde (?)

À laia de advertência, saiba-se que este autor é bastante prudente no que possa dizer respeito aos limites e oportunidades de preservação "física" da memória (seja da vida grandes homens e mulheres da história). A minha "balança" pende quase sempre em favor da defesa do património, não está isso em causa, mas sim uma definição razoável do que pode ou não ser considerado "património". Já lá vamos.
Por outro lado e abordando já mais directamente o assunto em título, também não sou cego entusiasta de certa "defesa" do património que mais não faça do que adiar a sua degradação, preservando-o mas escondendo-o ou até mesmo desvirtuando-o e sacrificando-o à "cultura para os cultos" ou à "preservação de fachada". Por outras palavras, o ter "casas-museu" que não sejam nem uma coisa nem outra (sim, porque ainda se fôrem habitadas mas cuidadas, do mal o menos), não sei muito bem que benefícios (tangíveis ou não) trará aos cidadãos e à cidade. Esporádicos actos de remorso de consciência em vez da preservação e divulgação contínuas?

Apesar do que o acima escrito possa deixar entender, sou contra a demolição da casa onde viveu e faleceu Almeida Garrett. No entanto é bem possível que a fragilidade e considerável incipiência permanente de certas soluções comuns possam ter feito pender a "balança" da CML para o lado contrário. Vem-me à razão outro caso actual, o da Casa Fernando Pessoa. Não me vou alongar sobre o mesmo, mas para certos autarcas poderá ser um descanso que não se descrubram casas, cafés ou bancos de jardim (e afins) por onde tenham passado os ilustres, sob o risco de lá terem de dispender mais umas quantas verbas em nome apenas das paredes antigas (ou só mesmo fachadas).
Isto não conforma apenas uma simples denúncia da ganância pelo vil metal (que o condomínio de luxo, muito obviamente, satisfará de imediato) nem justifica ou desculpa a Câmara Municipal de Lisboa (pelo contrário). O que me intriga e perturba é a inexistência de vontade e capacidade para, após reabilitação, valorizar e divulgar o património cultural associado. Por outra, fazendo bem a coisa, haverá dúvidas entre o valor absoluto e duradouro do dito património e o valor do condomínio? Outra coisa que me faz confusão é que se permita que este tipo de património possa chegar - nas mãos dos seus proprietários - a um estado de degradação tal que não permita senão o seu fim. Não tenho dúvidas que o proprietário, tendo de escolher entre uma oferta da Câmara Municipal e uma dos promotores privados, dificilmente não se decidirá pela dos segundos. Isto se estiver apenas o "encaixe" financeiro em causa. Porque coisas como ordenamento urbano ou preservação da harmonia arquitectónica - mesmo já sem considerar a história subjacente - afinal, de que valem? Porquê valorizar uma rua/zona inteira com património cultural? Cultura, isso come-se?
São os tempos em que vivemos. Cinzentos! Mas há dinheiro para fazer estádios de futebol (e só de futebol - atente-se)...

segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Apontamentos sobre a História de Lisboa (I): A Fundação

Ao que pudémos apurar nas nossas pesquisas não existem ainda certezas sobre a fundação da cidade de Lisboa (quando e por quem). Aliás as dúvidas e erros sobre o assunto são quase tão antigos como ela, dificultando e mesmo desviando o caminho de muitos dos que têm investigado ao longo dos séculos.

As primeiras evidências documentais (de entre as que chegaram até aos nossos dias) foram obra dos romanos (nalguns casos apoiando-se em textos gregos). Embora tivessem fornecido a primeira explicação para a origem da cidade, não deixaram de nos legar dúvidas... mas também preciosas indicações, por muito óbvias que nos pareçam. Desde logo ficámos a saber que Lisboa não foi fundada pelos próprios romanos... e que já existiria há bastante tempo antes da sua chegada.
Ao analisar a teoria "romana" para a fundação poderemos ir mais longe ainda. Largamente difundida e aceite até tempos muito recentes, a versão dos romanos apontava o herói grego Ulisses como tendo sido o fundador de Lisboa. Com que razões? Em primeiro lugar poder-se-ão ter baseado no facto (já confirmado) de que Lisboa, aquando da chegada dos romanos, já era uma cidade com fortes e antigos laços com outros povos do Mediterrâneo. É bastante provável que os romanos encontrassem assim alguns traços helenizantes (ou que os entendessem como tal), para além da existência de rotas comerciais onde não faltariam (e não faltaram, como está provado também) produtos oriundos de colónias gregas.
Em segundo lugar e aos olhos dos romanos a criação de um "mito" fundador com raízes helénicas - ainda que não entendessem como tal - era também uma forma de integrar perfeitamente a cidade no "mundo" greco-romano, excluindo assim a intervenção de povos considerados hostis ou indignos face à superioridade da sua civilização. Ao fazê-lo, como veremos, os romanos afastavam deliberadamente a influência de povos "bárbaros" bem como os antigos e acérrimos rivais do mesmo "mundo": fenícios e cartagineses (de origem fenícia).
Esta segunda ordem de motivos, alheia à objectividade e ao rigor histórico, levanta desde logo sérias suspeitas. E os factos conhecidos ajudam a deitar por terra esta teoria "romana", por muito tempo que esta tenha sobrevivido... sobretudo por ter sido (e é) tremendamente apelativa aos historiadores e não-historiadores "românticos" que se sucederam. Seria de facto uma bela lenda, mas é de facto uma lenda. Senão vejamos:
Em momento algum nos é indicado claramente que Lisboa, à data da chegada dos romanos, seria ela própria uma colónia grega ou sequer contasse com uma presença significativa de cidadãos gregos. Nem por outro lado deixaram os próprios gregos evidências nesse sentido. Aliás esta fragilidade permitir-nos-ia concluir que, mesmo pondo Ulisses de parte, também não tenham sido os gregos a fundar Lisboa de todo. Os achados arqueológicos - não só em Lisboa mas em toda a Península Ibérica - parecem confirmá-lo: não terá existido nenhuma colónia grega, inteiramente como tal, no actual território português. É um facto que existiram efectivamente colónias gregas na Península Ibérica mas, contrariando certas generalizações, estas e os seus territórios ter-se-ão limitado à costa mediterrânica. E tal deveu-se, em grande parte e precisamente, à concorrência do "mundo" fenício...
Também é um facto que, antes dos romanos, os navegadores/comerciantes gregos terão explorado e viajado com alguma frequência pelas costas ocidentais, como atestaria o "périplo massaliota" principal fonte do poema "Orla Marítima" (do romano Avieno). No entanto nada dos indica que se tratassem de algo mais que contactos pontuais ou meramente comerciais com a zona de influência da colónia grega de Massalia (Marselha, em França). E uma vez mais tudo isto terá ocorrido num espaço de tempo não muito considerável, desde a efectiva decadência do poder de Cartago no Sul e Ocidente da Península até à chegada dos romanos.
Ainda que ao se comprovar que Lisboa não terá sido "grega" possam permanecer algumas dúvidas, a própria lenda encerra ainda outras grandes imprecisões. Diz a mesma que Ulisses e os seus bravos soldados, depois de vencida a guerra de Tróia, teriam iniciado uma errática viagem pelo Mediterrâneo, fazendo descobertas e cometendo novas façanhas. Entre elas deduziu-se a fundação de Olisipo, que deveria o seu nome ao herói (Ulisses/Olisis - Ulisseia/Olisipo). Ora, para começar, pouco ou quase nada do que foi relatado sobre as próprias Guerras de Tróia e eventos relacionados (incluindo a existência de Ulisses) foi até hoje comprovado histórica e arqueologicamente. Aliás a Odisseia encontra-se impregnada de elementos claramente mítológicos e não verdadeiros, tal como hoje é possível destacá-los nos próprios Lusíadas, por exemplo, uma vez que o próprio Camões tomou por influência de forma e estilo, precisamente, os épicos gregos (sabemos que não existe nenhuma ilha dos amores, certo?).
Para além disso, há um pormenor (ou não) curioso. É que "Ulisses" trata-se da posterior designação latina. Em grego e originalmente o verdadeiro nome do herói era "Odysseus". Assim sendo seria muito estranho que Odysseus ou os gregos que se seguiram baptizassem a cidade de acordo com o nome romano...
Por fim e mesmo atendendo à cronologia normalmente proposta para aqueles eventos (considerando que em parte tenham sido verdade), chega-se à conclusão de que Ulisses, caso tivesse chegado a Lisboa, provavelmente já não a teria de fundar (já existia...).

Refutada assim a versão romana para a fundação de Lisboa, ainda assim, ficam algumas certezas... pela negativa: os romanos não faziam idéia (ou não queriam fazer) de quem teria fundado Olisipo nem de qual a origem do próprio nome; Olisipo não era uma colónia grega; Olisipo já seria, ao tempo chegada dos romanos, uma cidade antiga e de importância considerável, tendo aqueles adoptado o nome pelo qual os próprios habitantes conheciam a sua cidade, transmitido ao longo de séculos (e assim conhecido por gerações sucessivas de navegadores de diferentes origens).

Sendo assim, antes de romanos e gregos, quem teria fundado Lisboa? Os "suspeitos" que se seguem são os povos que antes daqueles deixaram as suas marcas na Península: Fenícios e Cartagineses (de origem fenícia). Terão sido eles? Fica para próximo artigo... porém adiantamos que, em nossa opinião, Lisboa também não nasceu como "Allis Ubbo", cidade fenícia...