Celebra-se amanhã mais um aniversário da Restauração da Independência (1640). A cidade de Lisboa, como capital do País, teve naturalmente um papel fundamental, não só como palco da revolta em si mas também em anos (séculos) posteriores, sempre que foi necessário reafirmar e celebrar a Independência de Portugal. Aqui fica uma súmula dos acontecimentos relevantes:
25 de Agosto de 1580 - Tomada de Lisboa pelo exército castelhano, liderado pelo Duque de Alba, após derrotar o exército português liderado por D. António (prior do Crato e aclamado Rei de Portugal em Junho) na Batalha de Alcântara. Forçado ao exílio, D. António tentaria posteriormente o regresso e reconquista do trono de Portugal com o auxílio de ingleses e franceses, sem sucesso. Viria a falecer em Paris a 25 de Agosto de 1595. Depois da morte de D. Sebastião em Alcácer-Quibir (1578) e do seu tio D. Henrique (1580), chegava ao fim a dinastia de Avis, quase 200 anos depois de Aljubarrota. Felipe II de Espanha tornava-se Filipe I de Portugal, mantendo-se assim no plano formal a separação dos reinos.
1 de Dezembro de 1640 - Após 60 anos em que a verdadeira independência e os interesses dos portugueses foram sendo cada vez mais postos em causa, levantou-se um movimento de conjurados (desde 1638-39) com vista à deposição do poder filipino e coroação de um novo Rei de Portugal. D. João, Duque de Bragança, afigurava-se como o mais provável e legítimo candidato, pelo que os conjurados cedo tentaram conseguir que assim se assumisse e desse o seu apoio a uma revolta. O Duque de Bragança, porém, sujeito a um rigoroso controlo por parte da coroa espanhola, hesitava num mar de dúvidas no seu Paço de Vila Viçosa. Ainda assim desobedeceu e furtou-se hábil e discretamente a várias ordens do Governo de Madrid que procuravam afastá-lo de Portugal, sendo mais significativa a sua recusa em reunir tropas para ajudar a pôr fim à revolta da Catalunha. Perante tais condicionantes, não desamimaram nem desarmaram os conjurados, que prosseguiram os seus intentos sempre dando conta dos mesmos ao Duque, sempre que possível. Após algumas reuniões em Outubro nas quais se preparava já a revolta, foi finalmente durante o dia 30 de Novembro e madrugada fora do dia 1 de Dezembro de 1640 que os conspiradores, oriundos de várias classes e possuidores de variados estatutos, se reuniram no Palácio dos Condes de Almada (ao Rossio) para dar início ao plano. Na manhã desse Sábado (dia 1) dirigiram-se ao Paço da Ribeira (Terreiro do Paço), dissimulados e em número aproximado de 40 elementos (!). Dividindo-se em grupos venceram pela surpresa as guarnições ali existentes. Um dos grupos encontrou finalmente Miguel de Vasconcellos, o odiado Secretário de Estado que governava efectivamente o país à vontade e submissão da coroa espanhola, que desde então e para sempre teve o seu nome eleito como símbolo de traição ao país. Foi morto e defenestrado, para contentamento não só dos conjurados mas ao que parece da própria Vice-Rainha, Margarida de Sabóia (Duquesa de Mântua), que apesar do seu estatuto pouco ou nada governava (em detrimento de Miguel de Vasconcellos). Porém e para concluir com sucesso a revolta foi também presa a Duquesa bem como a quase totalidade da fidalguia espanhola instalada em Lisboa, que por sorte estava presente no Paço (facilitando assim a tarefa dos conspiradores). Restavam as guarnições do Castelo de São Jorge e das fortificações da barra do Tejo, enquanto o povo, jubilante, aderia plenamente à revolta e se encarregava do resto, tomando o Senado de Lisboa e para si a bandeira da cidade. Não resistiram muito as ditas guarnições, sendo todas as fortificações tomadas pelos conspiradores e pelo povo sem grandes dificuldades.
Com 40 homens e, ao que se sabe, apenas 3 mortes (do lado pró-espanhol), se libertou assim o país do jugo da poderosa Espanha.
As notícias depressa chegaram a Vila Viçosa, onde se encontrava o Rei aclamado, bem como ao resto do país, onde foram recebidas com tal júbilo e apoio que mais parecia que o domínio filipino havia durado um só dia. Reconquistou-se Portugal, estava reconquistada a independência.
6 de Dezembro de 1640 - O novo rei D. João IV entrou finalmente em Lisboa, em perfeita apoteose. Daí em diante tratou de recuperar o Império até então gravemente em desleixo. As possessões na Ásia, salvo raras excepções, já haviam sido irremediavelmente perdidas em massa para ingleses, franceses e holandeses (todos inimigos dos espanhóis). Em África idem, embora o caso mais grave fosse a perda de Ceuta, arduamente conquistada 225 anos antes sob as ordens de D. João I, Mestre de Avis vitorioso de Aljubarrota. Já plenamente controlada e dominada pelos espanhóis, a cidade optou pela fidelidade ao país vizinho, embora mantendo no seu escudo e até hoje as armas de Portugal. En contrapartida, o fiel Brasil, cada vez mais "jóia da coroa", assim se manteve, mas como jóia da coroa portuguesa.
24 de Maio de 1861 - Foi fundada a Comissão Central do 1º de Dezembro de 1640, que mais tarde viria a dar origem à Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Desde a Restauração de 1640 tinham-se sucedido outros episódios que haviam feito perigar a independência do país.
Logo nas três décadas seguintes a Espanha, inconformada, prosseguiu uma guerra contra a coroa portuguesa, só se dando por vencida 28 anos depois de 1640.
Mais tarde, em 1807, dão-se as invasões francesas. Deposta a monarquia espanhola em favor de Napoleão, França e Espanha planeiam a captura e derrota de Portugal e a subsequente partilha do território português e suas colónias. D. João VI, Rei de Portugal, opta por embarcar rumo ao Brasil, procurando assim salvaguardar, para além da sua vida e a dinastia, a maior colónia do Império. Em 1814, derrotada a França, Portugal poderia receber de novo o seu rei. Este, no entanto, demora ainda, enquanto no Brasil o movimento para a respectiva independência ganha cada vez mais força.
Sucedem-se a independência efectiva do Brasil e a cruenta Guerra Civil em Portugal, opondo liberais e absolutistas.
Em 1861 vive-se a paz, mas o que resta do país e do seu império já nada tem a ver com as glórias passadas. São tempos conturbados e de agitação latente. No meio da proliferação de idéias e movimentos "político-intelectuais", surge uma corrente chamada "iberista", que evoca com saudade a época filipina e advoga uma nova união das coroas como melhor caminho para Portugal. É então que se juntam de novo pessoas de diferentes condições (e até convicções políticas), que unidos sob um fervor patriótico e nacionalista resolvem fundar a Comissão Central do 1º de Dezembro de 1640. De novo Lisboa é o palco, sendo a sede o mesmo Palácio dos Condes de Almada, futuro Palácio da Independência (até hoje). Os comissários de então apelam ao povo para que demonstrasse o seu patriotismo e repúdio pelo "iberismo", ali mesmo, junto ao Palácio onde tudo havia começado 221 anos antes. É posteriormente elaborado um manifesto para ser distribuido pelo país inteiro, visando grandiosa e adequada celebração da Restauração. Na redacção desse manifesto tomaram parte "o historiador Alexandre Herculano, o orador José Estevão Coelho de Magalhães, e os escritores Dr. Gomes de Abreu, lente da Universidade de Coimbra, e António da Silva Túlio" (site da SHIP). Aqui reproduzimos aquela fervorosa e admirável exortação:
"A commissão eleita pelos cidadãos lisbonenses que se reuniram no histórico palacio dos Condes de Almada, para prescrever o modo por que na capital se há de dar maior solemnidade ao anniversário da revolução de 1640, que restituiu a Portugal os fóros de nação independente, de que fôra esbulhada por Filippe II de Castella em 1580, julgou conveniente, antes de tomar qualquer arbítrio, expor aos seus eleitores e a todo o reino a interpretação que dá mandato com que foi honrada derivando essa interpretação não só dos termos em que elle é concebido, mas também do pensamento que attribue ao povo portuguez, na commemoração solemne que, tanto em Lisboa como n’outras terras do reino, deliberou fazer no dia 1.º de Dezembro próximo.
O povo portuguez, seguro da sua existencia nacional, e conscio dos imprescríptiveis direitos em que ella assenta, sem ter esquecido as heroicas acções com que seus antepassados conquistaram e mantiveram a independência da patria, havia quasi apagado, pelo, pelo seu caracter humano e pacifico, a recordação publica de cruentas pelejas, que foram mais um desengano, entre tantos que a historia accumula, de que a força e a ambição, por si sós, não lograram no mundo triumphos duradouros.
Depois que a Hespanha perdeu Portugal, por essa lei immutavel que em differentes periodos, mas com o mesmo rigor, tem posto por terra todos os senhorios creados sómente pela violencia, os dois povos da peninsula, constituidos em nacionalidades separadas, tem corrido a mesma sorte, tanto nas contendas internas como na grande lucta européa, em que batalharam pelo mesmo principio, alcançando dos seus triumphos, não a sujeição de um ao outro, mas a independencia de ambos.
A França, com inteira abnegação, depoz no archivo das suas glorias militares o mappa das conquistas que fizera; e, convencida de que a sorte das armas fôra a sentença da rasão e da justiça, nem hoje, que tão crescida está em poder e tão voltada às suas recordações guerreiras, se julga com direito aos dominios que perdeu, nem tão pouco se mostra propensa a empregar os seus exercitos para os reconquistar á face da Europa.
A Hespanha, seguindo este exemplo, não se humilha; antes fôra mais para lhe estranhar a ella o intento de avassallar Portugal, do que á França o designio de retomar os estados que out'ora formaram o seu ephemero e revolto imperio.
A dominação estrangeira gera sempre rancores que se transmittem de geração a geração, e que só o decurso do tempo póde apagar; sobretudo quando esse dominio pesou duramente sobre uma nação altiva e generosa.
Ha quasi tres seculos que nossos avós caíram na servidão estranha. A Providencia punia talvez com esse castigo uma epocha de lastimosa decadencia moral. Sessenta annos de oppressão reanimaram pela dôr de crueis padecimentos, as virtudes publicas esmorecidas, e os brios heroicos de um povo de soldados. A gente portugueza quebrou então o jugo, e combateu. Deus abençoou os seus esforços. Suppunham que Portugal se ia dissolvendo no tumulo; e elle, como Lazaro, ergueu-se á voz do Senhor!
A lucta foi longa, e ainda hoje. n'esta terra da pátria, que é santa para nós, como esperamos que a seja para nossos netos, ha vestigios do que nos custou a independencia e a liberdade.
A geração que combateu, a geração que lavou com sangue o seu testamento politico nos campos de batalha ou nos muros rotos das povoações incendiadas, legou aos filhos uma herança de odio vingativo. Aquelles tempos não eram como estes nossos: e que o fossem se essa ruim paixão póde ter desculpa, é quando se enraiza no coração do que é ou do que foi servo contra os seus oppressores.
Os annos volveram, a civilisação caminhou; a razão publica esc1areceu-se: e d'esses rancores antigos não restava, entre o nosso povo, senão uma desconfiança que tinha a sua plena jnstificação na historia. 0 que fôra odio implacavel, e depois repugnancia tenaz, começou a converter-se, entre as classes mais cultas, n'uma sympathia propria de bons visinhos, e digna de povos civilisados e christãos.
Infelizmente houve quem tomasse esta transformação, que não é mais que indicio de progresso e de brandura nos costumes, como symptoma de indifferença pela propria nacionalidade. Houve quem pensasse, que seguindo o exemplo do nosso velho alliado dos tempos heroicos, o guerreiro Aragão, cujo elmo de bronze, dourado pelo sol de cem batalhas, jaz caido ao lado do leão de Castella, não nos repugnaria ver enxerir as quinas a um canto do escudo hespanhol! Era um d'aquelles equivocos que fazem sorrir mudamente; mas n'este caso, a mudez interpretou-se como indifferença, talvez como approvação.
Parte da imprensa periodica de Madrid suppoz que havia em Portugal quem estivesse enfadado de ser portuguez, e insinuou que, se nos unissemos á Hespanha, podiamos realisar altas phantasias de poder e engrandecimento, de que uma nação não precisa para ser feliz, nem aproveitar mais à civilisação commum para a qual todos os estados, pequenos e grandes, podem concorrer.
Porque deixámos passar sem constestação esses devaneios, pouco faltou para que tudo quanto constitue o nervo de uma nação, que os representantes de todas as actividades d'esta terra, os representantes da imprensa, da tribuna, da propriedade, do capital, do commercio, da milicia, do sacerdocio e da magistratura, fossem declarados ibericos! Pintavam um verdadeiro 1580.
Estas dissertações da imprensa interessada, e por isso incompetente, passaram as raias da peninsula, e acharam echo n'outra imprensa alem dos Pyrenéos, que tem a seu favor a presumpção de imparcialidade. Não affirmamos que o facto fosse fortuito e gratuito; o que sabemos só é que a poesia tornou-se doutrina, a utopia systema, e que depois d'isto não é permitido silencio.
Precisavamos, portanto, expor claramente a opinião unanime do povo portuguez, e assegurar aos homens e aos governos que se interessam no melhor regimento da familia européa, que é animo e deliberação nossa defender a integridade do territorio que possuimos, não acceitando aggregações incongruentes com o caracter e tradições nacionais, e que nos empenhamos, quanto cabe em nossas faculdades e no-lo permittem os obstaculos da governação que todos os povos tem encontrado nos aperfeiçoamentos sociaes, por sermos dignos de fazer parceria com as nações civilisadas, tanto pelos nossos feitos passados como pela nossa vida contemporanea.
Nenhuma rasão politica, moral ou economica, em beneficio commum da Europa, exige que Hespanha e Portugal formem um só estado; e o direito publico europeu, reconhecendo n'estes ultimos tempos, para todas as annexações e transacções politicas, como condição indispensavel, a vontade manifesta dos povos, não permitte que se constranja uma nação, por mais pequena que seja, a abdicar o seu nome, o seu passado, a sua autonomia.
Portugal, avivando e celebrando com mais solemnidade o anniversario da reconquista da sua Independencia em 1640, nem pretende ferir o pundonor da briosa nação hespanhola, nossa amiga e alliada, nem resuscitar os odios que outr'ora inimisaram os dois povos convisinhos.
Não quer repta-la. Não leva a mão á espada. Unicamente aponta para o seu direito, e diz á Europa que está decidido a defendel-o.
Nenhum outro motivo inspirou aos portuguezes a idéa de manifestar o seu patriotismo, determinando sem insinuação nem concerto prévio, na capital, nas provincias, em cidades e aldeias, repor na memoria nacional, com a devida solemnidade, o anniversario da Restauração da nossa Independencia em 1640.
O modo mais adequado de celebrar este anniversario, pareceu-nos ser aquelle mesmo que estabeleceram os nossos libertadores, com o addicionamento que a nossa gratidão lhes deve.
Na circular que junta com este manifesto, dirigimos ás commissões já instituidas, e ás que se houverem de crear, vão indicados os alvitres que adoptamos.
O sentimento publico, assim como se moveu, de por si, a esta manifestação, ha de realisa-la com sisudeza, sem ostentações vãs, e com a circumspecção que demanda tal solemnidade.
Lisboa, 25 de Agosto de 1861."
Brilhante texto, de uma actualidade impressionante!
Na sequência deste e de outros apelos daquela que se viria a tornar na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, consagrou-se então a celebração do 1º de Dezembro, feriado nacional.
28 de Abril de 1886 - Foram inaugurados em Lisboa (Av. da Liberdade) o monumento e praça dos Restauradores. O monumento, cujo primeira pedra havia sido lançada em 1875.
Celebre-se então a nossa independência! Aqui fica a ligação para a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, onde poderão ser consultadas as iniciativas e os festejos previstos para a nossa cidade.
25 de Agosto de 1580 - Tomada de Lisboa pelo exército castelhano, liderado pelo Duque de Alba, após derrotar o exército português liderado por D. António (prior do Crato e aclamado Rei de Portugal em Junho) na Batalha de Alcântara. Forçado ao exílio, D. António tentaria posteriormente o regresso e reconquista do trono de Portugal com o auxílio de ingleses e franceses, sem sucesso. Viria a falecer em Paris a 25 de Agosto de 1595. Depois da morte de D. Sebastião em Alcácer-Quibir (1578) e do seu tio D. Henrique (1580), chegava ao fim a dinastia de Avis, quase 200 anos depois de Aljubarrota. Felipe II de Espanha tornava-se Filipe I de Portugal, mantendo-se assim no plano formal a separação dos reinos.
1 de Dezembro de 1640 - Após 60 anos em que a verdadeira independência e os interesses dos portugueses foram sendo cada vez mais postos em causa, levantou-se um movimento de conjurados (desde 1638-39) com vista à deposição do poder filipino e coroação de um novo Rei de Portugal. D. João, Duque de Bragança, afigurava-se como o mais provável e legítimo candidato, pelo que os conjurados cedo tentaram conseguir que assim se assumisse e desse o seu apoio a uma revolta. O Duque de Bragança, porém, sujeito a um rigoroso controlo por parte da coroa espanhola, hesitava num mar de dúvidas no seu Paço de Vila Viçosa. Ainda assim desobedeceu e furtou-se hábil e discretamente a várias ordens do Governo de Madrid que procuravam afastá-lo de Portugal, sendo mais significativa a sua recusa em reunir tropas para ajudar a pôr fim à revolta da Catalunha. Perante tais condicionantes, não desamimaram nem desarmaram os conjurados, que prosseguiram os seus intentos sempre dando conta dos mesmos ao Duque, sempre que possível. Após algumas reuniões em Outubro nas quais se preparava já a revolta, foi finalmente durante o dia 30 de Novembro e madrugada fora do dia 1 de Dezembro de 1640 que os conspiradores, oriundos de várias classes e possuidores de variados estatutos, se reuniram no Palácio dos Condes de Almada (ao Rossio) para dar início ao plano. Na manhã desse Sábado (dia 1) dirigiram-se ao Paço da Ribeira (Terreiro do Paço), dissimulados e em número aproximado de 40 elementos (!). Dividindo-se em grupos venceram pela surpresa as guarnições ali existentes. Um dos grupos encontrou finalmente Miguel de Vasconcellos, o odiado Secretário de Estado que governava efectivamente o país à vontade e submissão da coroa espanhola, que desde então e para sempre teve o seu nome eleito como símbolo de traição ao país. Foi morto e defenestrado, para contentamento não só dos conjurados mas ao que parece da própria Vice-Rainha, Margarida de Sabóia (Duquesa de Mântua), que apesar do seu estatuto pouco ou nada governava (em detrimento de Miguel de Vasconcellos). Porém e para concluir com sucesso a revolta foi também presa a Duquesa bem como a quase totalidade da fidalguia espanhola instalada em Lisboa, que por sorte estava presente no Paço (facilitando assim a tarefa dos conspiradores). Restavam as guarnições do Castelo de São Jorge e das fortificações da barra do Tejo, enquanto o povo, jubilante, aderia plenamente à revolta e se encarregava do resto, tomando o Senado de Lisboa e para si a bandeira da cidade. Não resistiram muito as ditas guarnições, sendo todas as fortificações tomadas pelos conspiradores e pelo povo sem grandes dificuldades.
Com 40 homens e, ao que se sabe, apenas 3 mortes (do lado pró-espanhol), se libertou assim o país do jugo da poderosa Espanha.
As notícias depressa chegaram a Vila Viçosa, onde se encontrava o Rei aclamado, bem como ao resto do país, onde foram recebidas com tal júbilo e apoio que mais parecia que o domínio filipino havia durado um só dia. Reconquistou-se Portugal, estava reconquistada a independência.
6 de Dezembro de 1640 - O novo rei D. João IV entrou finalmente em Lisboa, em perfeita apoteose. Daí em diante tratou de recuperar o Império até então gravemente em desleixo. As possessões na Ásia, salvo raras excepções, já haviam sido irremediavelmente perdidas em massa para ingleses, franceses e holandeses (todos inimigos dos espanhóis). Em África idem, embora o caso mais grave fosse a perda de Ceuta, arduamente conquistada 225 anos antes sob as ordens de D. João I, Mestre de Avis vitorioso de Aljubarrota. Já plenamente controlada e dominada pelos espanhóis, a cidade optou pela fidelidade ao país vizinho, embora mantendo no seu escudo e até hoje as armas de Portugal. En contrapartida, o fiel Brasil, cada vez mais "jóia da coroa", assim se manteve, mas como jóia da coroa portuguesa.
24 de Maio de 1861 - Foi fundada a Comissão Central do 1º de Dezembro de 1640, que mais tarde viria a dar origem à Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Desde a Restauração de 1640 tinham-se sucedido outros episódios que haviam feito perigar a independência do país.
Logo nas três décadas seguintes a Espanha, inconformada, prosseguiu uma guerra contra a coroa portuguesa, só se dando por vencida 28 anos depois de 1640.
Mais tarde, em 1807, dão-se as invasões francesas. Deposta a monarquia espanhola em favor de Napoleão, França e Espanha planeiam a captura e derrota de Portugal e a subsequente partilha do território português e suas colónias. D. João VI, Rei de Portugal, opta por embarcar rumo ao Brasil, procurando assim salvaguardar, para além da sua vida e a dinastia, a maior colónia do Império. Em 1814, derrotada a França, Portugal poderia receber de novo o seu rei. Este, no entanto, demora ainda, enquanto no Brasil o movimento para a respectiva independência ganha cada vez mais força.
Sucedem-se a independência efectiva do Brasil e a cruenta Guerra Civil em Portugal, opondo liberais e absolutistas.
Em 1861 vive-se a paz, mas o que resta do país e do seu império já nada tem a ver com as glórias passadas. São tempos conturbados e de agitação latente. No meio da proliferação de idéias e movimentos "político-intelectuais", surge uma corrente chamada "iberista", que evoca com saudade a época filipina e advoga uma nova união das coroas como melhor caminho para Portugal. É então que se juntam de novo pessoas de diferentes condições (e até convicções políticas), que unidos sob um fervor patriótico e nacionalista resolvem fundar a Comissão Central do 1º de Dezembro de 1640. De novo Lisboa é o palco, sendo a sede o mesmo Palácio dos Condes de Almada, futuro Palácio da Independência (até hoje). Os comissários de então apelam ao povo para que demonstrasse o seu patriotismo e repúdio pelo "iberismo", ali mesmo, junto ao Palácio onde tudo havia começado 221 anos antes. É posteriormente elaborado um manifesto para ser distribuido pelo país inteiro, visando grandiosa e adequada celebração da Restauração. Na redacção desse manifesto tomaram parte "o historiador Alexandre Herculano, o orador José Estevão Coelho de Magalhães, e os escritores Dr. Gomes de Abreu, lente da Universidade de Coimbra, e António da Silva Túlio" (site da SHIP). Aqui reproduzimos aquela fervorosa e admirável exortação:
"A commissão eleita pelos cidadãos lisbonenses que se reuniram no histórico palacio dos Condes de Almada, para prescrever o modo por que na capital se há de dar maior solemnidade ao anniversário da revolução de 1640, que restituiu a Portugal os fóros de nação independente, de que fôra esbulhada por Filippe II de Castella em 1580, julgou conveniente, antes de tomar qualquer arbítrio, expor aos seus eleitores e a todo o reino a interpretação que dá mandato com que foi honrada derivando essa interpretação não só dos termos em que elle é concebido, mas também do pensamento que attribue ao povo portuguez, na commemoração solemne que, tanto em Lisboa como n’outras terras do reino, deliberou fazer no dia 1.º de Dezembro próximo.
O povo portuguez, seguro da sua existencia nacional, e conscio dos imprescríptiveis direitos em que ella assenta, sem ter esquecido as heroicas acções com que seus antepassados conquistaram e mantiveram a independência da patria, havia quasi apagado, pelo, pelo seu caracter humano e pacifico, a recordação publica de cruentas pelejas, que foram mais um desengano, entre tantos que a historia accumula, de que a força e a ambição, por si sós, não lograram no mundo triumphos duradouros.
Depois que a Hespanha perdeu Portugal, por essa lei immutavel que em differentes periodos, mas com o mesmo rigor, tem posto por terra todos os senhorios creados sómente pela violencia, os dois povos da peninsula, constituidos em nacionalidades separadas, tem corrido a mesma sorte, tanto nas contendas internas como na grande lucta européa, em que batalharam pelo mesmo principio, alcançando dos seus triumphos, não a sujeição de um ao outro, mas a independencia de ambos.
A França, com inteira abnegação, depoz no archivo das suas glorias militares o mappa das conquistas que fizera; e, convencida de que a sorte das armas fôra a sentença da rasão e da justiça, nem hoje, que tão crescida está em poder e tão voltada às suas recordações guerreiras, se julga com direito aos dominios que perdeu, nem tão pouco se mostra propensa a empregar os seus exercitos para os reconquistar á face da Europa.
A Hespanha, seguindo este exemplo, não se humilha; antes fôra mais para lhe estranhar a ella o intento de avassallar Portugal, do que á França o designio de retomar os estados que out'ora formaram o seu ephemero e revolto imperio.
A dominação estrangeira gera sempre rancores que se transmittem de geração a geração, e que só o decurso do tempo póde apagar; sobretudo quando esse dominio pesou duramente sobre uma nação altiva e generosa.
Ha quasi tres seculos que nossos avós caíram na servidão estranha. A Providencia punia talvez com esse castigo uma epocha de lastimosa decadencia moral. Sessenta annos de oppressão reanimaram pela dôr de crueis padecimentos, as virtudes publicas esmorecidas, e os brios heroicos de um povo de soldados. A gente portugueza quebrou então o jugo, e combateu. Deus abençoou os seus esforços. Suppunham que Portugal se ia dissolvendo no tumulo; e elle, como Lazaro, ergueu-se á voz do Senhor!
A lucta foi longa, e ainda hoje. n'esta terra da pátria, que é santa para nós, como esperamos que a seja para nossos netos, ha vestigios do que nos custou a independencia e a liberdade.
A geração que combateu, a geração que lavou com sangue o seu testamento politico nos campos de batalha ou nos muros rotos das povoações incendiadas, legou aos filhos uma herança de odio vingativo. Aquelles tempos não eram como estes nossos: e que o fossem se essa ruim paixão póde ter desculpa, é quando se enraiza no coração do que é ou do que foi servo contra os seus oppressores.
Os annos volveram, a civilisação caminhou; a razão publica esc1areceu-se: e d'esses rancores antigos não restava, entre o nosso povo, senão uma desconfiança que tinha a sua plena jnstificação na historia. 0 que fôra odio implacavel, e depois repugnancia tenaz, começou a converter-se, entre as classes mais cultas, n'uma sympathia propria de bons visinhos, e digna de povos civilisados e christãos.
Infelizmente houve quem tomasse esta transformação, que não é mais que indicio de progresso e de brandura nos costumes, como symptoma de indifferença pela propria nacionalidade. Houve quem pensasse, que seguindo o exemplo do nosso velho alliado dos tempos heroicos, o guerreiro Aragão, cujo elmo de bronze, dourado pelo sol de cem batalhas, jaz caido ao lado do leão de Castella, não nos repugnaria ver enxerir as quinas a um canto do escudo hespanhol! Era um d'aquelles equivocos que fazem sorrir mudamente; mas n'este caso, a mudez interpretou-se como indifferença, talvez como approvação.
Parte da imprensa periodica de Madrid suppoz que havia em Portugal quem estivesse enfadado de ser portuguez, e insinuou que, se nos unissemos á Hespanha, podiamos realisar altas phantasias de poder e engrandecimento, de que uma nação não precisa para ser feliz, nem aproveitar mais à civilisação commum para a qual todos os estados, pequenos e grandes, podem concorrer.
Porque deixámos passar sem constestação esses devaneios, pouco faltou para que tudo quanto constitue o nervo de uma nação, que os representantes de todas as actividades d'esta terra, os representantes da imprensa, da tribuna, da propriedade, do capital, do commercio, da milicia, do sacerdocio e da magistratura, fossem declarados ibericos! Pintavam um verdadeiro 1580.
Estas dissertações da imprensa interessada, e por isso incompetente, passaram as raias da peninsula, e acharam echo n'outra imprensa alem dos Pyrenéos, que tem a seu favor a presumpção de imparcialidade. Não affirmamos que o facto fosse fortuito e gratuito; o que sabemos só é que a poesia tornou-se doutrina, a utopia systema, e que depois d'isto não é permitido silencio.
Precisavamos, portanto, expor claramente a opinião unanime do povo portuguez, e assegurar aos homens e aos governos que se interessam no melhor regimento da familia européa, que é animo e deliberação nossa defender a integridade do territorio que possuimos, não acceitando aggregações incongruentes com o caracter e tradições nacionais, e que nos empenhamos, quanto cabe em nossas faculdades e no-lo permittem os obstaculos da governação que todos os povos tem encontrado nos aperfeiçoamentos sociaes, por sermos dignos de fazer parceria com as nações civilisadas, tanto pelos nossos feitos passados como pela nossa vida contemporanea.
Nenhuma rasão politica, moral ou economica, em beneficio commum da Europa, exige que Hespanha e Portugal formem um só estado; e o direito publico europeu, reconhecendo n'estes ultimos tempos, para todas as annexações e transacções politicas, como condição indispensavel, a vontade manifesta dos povos, não permitte que se constranja uma nação, por mais pequena que seja, a abdicar o seu nome, o seu passado, a sua autonomia.
Portugal, avivando e celebrando com mais solemnidade o anniversario da reconquista da sua Independencia em 1640, nem pretende ferir o pundonor da briosa nação hespanhola, nossa amiga e alliada, nem resuscitar os odios que outr'ora inimisaram os dois povos convisinhos.
Não quer repta-la. Não leva a mão á espada. Unicamente aponta para o seu direito, e diz á Europa que está decidido a defendel-o.
Nenhum outro motivo inspirou aos portuguezes a idéa de manifestar o seu patriotismo, determinando sem insinuação nem concerto prévio, na capital, nas provincias, em cidades e aldeias, repor na memoria nacional, com a devida solemnidade, o anniversario da Restauração da nossa Independencia em 1640.
O modo mais adequado de celebrar este anniversario, pareceu-nos ser aquelle mesmo que estabeleceram os nossos libertadores, com o addicionamento que a nossa gratidão lhes deve.
Na circular que junta com este manifesto, dirigimos ás commissões já instituidas, e ás que se houverem de crear, vão indicados os alvitres que adoptamos.
O sentimento publico, assim como se moveu, de por si, a esta manifestação, ha de realisa-la com sisudeza, sem ostentações vãs, e com a circumspecção que demanda tal solemnidade.
Lisboa, 25 de Agosto de 1861."
Brilhante texto, de uma actualidade impressionante!
Na sequência deste e de outros apelos daquela que se viria a tornar na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, consagrou-se então a celebração do 1º de Dezembro, feriado nacional.
28 de Abril de 1886 - Foram inaugurados em Lisboa (Av. da Liberdade) o monumento e praça dos Restauradores. O monumento, cujo primeira pedra havia sido lançada em 1875.
Celebre-se então a nossa independência! Aqui fica a ligação para a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, onde poderão ser consultadas as iniciativas e os festejos previstos para a nossa cidade.
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