Recebi o prazenteiro desafio de aqui trazer a célebre expressão "meter o Rossio na Betesga". À partida não tenho qualquer conhecimento privilegiado senão o da utilização corrente - embora cada vez menos - da própria expressão (por vezes hoje utilizada numa forma que creio já ser adaptada: "meter o Rossio na Rua da Betesga"), o saber onde ficam o Rossio e a Rua da Betesga e qual o seu significado.
Independentemente da origem precisa e correcta, o significado da expressão ainda hoje se pode comprovar in loco, com maior ou menor evidência do que em tempos idos. Querer meter o Rossio, grande praça lisboeta (durante muito tempo a maior da cidade), na rua que hoje liga esta mesma praça à Praça da Figueira, é algo difícil ou impossível (e/ou desproporcionado). É como querer passar um camelo pelo buraco de uma agulha, para citar a Bíblia.
A questão seguinte é: porquê a Rua da Betesga? Não sei ao certo porquê, como tal toda a ajuda dos leitores será bem-vinda. No entanto posso adiantar algumas hipóteses, sendo que uma delas, salvo melhor opinião, parece-me a mais plausível.
Antes de enunciar cada uma convém esclarecer qual é o significado de "betesga". Consultando um dicionário ficamos a saber que é sinónimo de "rua estreita", "beco sem saída" ou "viela". Desde logo salta à vista o facto de a "Rua da Betesga" poder ser uma redundância (como "Rua da rua estreita") ou então fazer referência a uma outra rua. Como veremos, esta última possibilidade é a que me parece mais apropriada, até porque por esse país fora (e também no Brasil) existem muitas "betesgas" e, ao que saiba, mais nenhuma "Rua da Betesga".
A primeira hipótese, a mais óbvia e simples, associaria o ditado à actual Rua da Betesga. Para assim ser, "Rua da Betesga" seria uma designação redundante e a dita rua teria de ser efectivamente considerada como estreita ou sem saída. Ora, desde que foi aberta, na sequência do terramoto de 1755, a rua em causa nunca foi especialmente estreita e muito menos sem saída. É certo que sofreu alguns alargamentos e que após a demolição do Mercado da Praça da Figueira (ou a praça propriamente dita, em 1949) se reabriu a desafogada praça actual. Mas sinceramente, creio que não basta. Quando muito admitiria a possibilidade de se referir à Rua da Betesga porque a mesma faz a comunicação entre o Rossio e a Praça da Figueira e a passagem de um lado para outro, em dias de multidão, ser facilmente congestionável.
A segunda hipótese, sequência natural da primeira, faria assentar a razão do ditado naquela que foi a rua antecessora da Rua da Betesga. Como esta, partia do Rossio, mas ladeava o Hospital Real de Todos os Santos, que já não existe (foi destruído pelo terramoto de 1755 e sobre parte das suas ruínas se abriu a Praça da Figueira). É possível verificar qual o traçado dessa antiga rua recorrendo a alguns mapas antigos e até mesmo a mapas actuais que nos mostram a sobreposição dos arruamentos, antes e depois do terramoto. É o caso da figura que apresento em seguida, abusivamente retirada do Pequeno blogue do Grande Terramoto, cuja visita recomendo vivamente.
Como se pode ver, a actual Rua da Betesga não coincide exactamente com a rua anterior e esta não se chamava formalmente “Rua da Betesga” (não vos consigo apontar qual era o seu nome exacto pois está pouco legível num dos mapas que consultei – mas não era esse). No entanto e compreensivelmente uma ficou herdeira da outra. Seria então aquela a rua demasiado estreita para lá querer meter o Rossio? Pelos mapas que consultei a rua era muito provavelmente mais estreita que a actual, no entanto não me parece que fosse especialmente estreita, sobretudo tendo em conta os padrões da época (e já desde o tempo da ocupação árabe). Porém encontramos um pouco mais de lógica para a designação “Rua da Betesga”, se considerarmos que betesga era a antiga rua e que a actual a lhe faz referência. Não fosse existir mais um dado importante, esta hipótese teria o meu “voto”.
Chegamos então à terceira hipótese, para cuja sustentação vale a pena observar de novo a figura com as antigas ruas. Se repararem, no meio da antiga rua havia de facto uma ruela sem saída. Uma betesga, pois. Estou assim em crer que foi o povo de Lisboa que terá baptizado informalmente a antiga rua como “rua da bestega” devido à já identificada betesga que ficava no meio da dita. A nova rua, pós-1755, terá então recebido a designação da antiga que entretanto já era comum. Quanto à expressão, poderá ter surgido assim já antes de 1755 (quiçá até por volta de 1500, quando se acabava a contrução do Hospital Real, ou até antes?), quando a betesga lá estava e de tal forma era evidente o disparate de lá querer meter o Rossio.
Entretanto a betesga desapareceu, surgiu uma Rua da Betesga sem betesga, mas a memória do povo encarregou-se de manter a associação. Ainda que anos depois gerações “orfãs” da betesga tenham por vezes adaptado a expressão para “o Rossio na Rua da Betesga”, menos correcta e fiel ao original, mas que na prática… vai dar ao mesmo. Não tentem meter o Rossio na actual Rua da Betesga!
Independentemente da origem precisa e correcta, o significado da expressão ainda hoje se pode comprovar in loco, com maior ou menor evidência do que em tempos idos. Querer meter o Rossio, grande praça lisboeta (durante muito tempo a maior da cidade), na rua que hoje liga esta mesma praça à Praça da Figueira, é algo difícil ou impossível (e/ou desproporcionado). É como querer passar um camelo pelo buraco de uma agulha, para citar a Bíblia.
A questão seguinte é: porquê a Rua da Betesga? Não sei ao certo porquê, como tal toda a ajuda dos leitores será bem-vinda. No entanto posso adiantar algumas hipóteses, sendo que uma delas, salvo melhor opinião, parece-me a mais plausível.
Antes de enunciar cada uma convém esclarecer qual é o significado de "betesga". Consultando um dicionário ficamos a saber que é sinónimo de "rua estreita", "beco sem saída" ou "viela". Desde logo salta à vista o facto de a "Rua da Betesga" poder ser uma redundância (como "Rua da rua estreita") ou então fazer referência a uma outra rua. Como veremos, esta última possibilidade é a que me parece mais apropriada, até porque por esse país fora (e também no Brasil) existem muitas "betesgas" e, ao que saiba, mais nenhuma "Rua da Betesga".
A primeira hipótese, a mais óbvia e simples, associaria o ditado à actual Rua da Betesga. Para assim ser, "Rua da Betesga" seria uma designação redundante e a dita rua teria de ser efectivamente considerada como estreita ou sem saída. Ora, desde que foi aberta, na sequência do terramoto de 1755, a rua em causa nunca foi especialmente estreita e muito menos sem saída. É certo que sofreu alguns alargamentos e que após a demolição do Mercado da Praça da Figueira (ou a praça propriamente dita, em 1949) se reabriu a desafogada praça actual. Mas sinceramente, creio que não basta. Quando muito admitiria a possibilidade de se referir à Rua da Betesga porque a mesma faz a comunicação entre o Rossio e a Praça da Figueira e a passagem de um lado para outro, em dias de multidão, ser facilmente congestionável.
A segunda hipótese, sequência natural da primeira, faria assentar a razão do ditado naquela que foi a rua antecessora da Rua da Betesga. Como esta, partia do Rossio, mas ladeava o Hospital Real de Todos os Santos, que já não existe (foi destruído pelo terramoto de 1755 e sobre parte das suas ruínas se abriu a Praça da Figueira). É possível verificar qual o traçado dessa antiga rua recorrendo a alguns mapas antigos e até mesmo a mapas actuais que nos mostram a sobreposição dos arruamentos, antes e depois do terramoto. É o caso da figura que apresento em seguida, abusivamente retirada do Pequeno blogue do Grande Terramoto, cuja visita recomendo vivamente.
Como se pode ver, a actual Rua da Betesga não coincide exactamente com a rua anterior e esta não se chamava formalmente “Rua da Betesga” (não vos consigo apontar qual era o seu nome exacto pois está pouco legível num dos mapas que consultei – mas não era esse). No entanto e compreensivelmente uma ficou herdeira da outra. Seria então aquela a rua demasiado estreita para lá querer meter o Rossio? Pelos mapas que consultei a rua era muito provavelmente mais estreita que a actual, no entanto não me parece que fosse especialmente estreita, sobretudo tendo em conta os padrões da época (e já desde o tempo da ocupação árabe). Porém encontramos um pouco mais de lógica para a designação “Rua da Betesga”, se considerarmos que betesga era a antiga rua e que a actual a lhe faz referência. Não fosse existir mais um dado importante, esta hipótese teria o meu “voto”.
Chegamos então à terceira hipótese, para cuja sustentação vale a pena observar de novo a figura com as antigas ruas. Se repararem, no meio da antiga rua havia de facto uma ruela sem saída. Uma betesga, pois. Estou assim em crer que foi o povo de Lisboa que terá baptizado informalmente a antiga rua como “rua da bestega” devido à já identificada betesga que ficava no meio da dita. A nova rua, pós-1755, terá então recebido a designação da antiga que entretanto já era comum. Quanto à expressão, poderá ter surgido assim já antes de 1755 (quiçá até por volta de 1500, quando se acabava a contrução do Hospital Real, ou até antes?), quando a betesga lá estava e de tal forma era evidente o disparate de lá querer meter o Rossio.
Entretanto a betesga desapareceu, surgiu uma Rua da Betesga sem betesga, mas a memória do povo encarregou-se de manter a associação. Ainda que anos depois gerações “orfãs” da betesga tenham por vezes adaptado a expressão para “o Rossio na Rua da Betesga”, menos correcta e fiel ao original, mas que na prática… vai dar ao mesmo. Não tentem meter o Rossio na actual Rua da Betesga!
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