quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Restauração da Independência

Celebra-se amanhã mais um aniversário da Restauração da Independência (1640). A cidade de Lisboa, como capital do País, teve naturalmente um papel fundamental, não só como palco da revolta em si mas também em anos (séculos) posteriores, sempre que foi necessário reafirmar e celebrar a Independência de Portugal. Aqui fica uma súmula dos acontecimentos relevantes:

25 de Agosto de 1580 - Tomada de Lisboa pelo exército castelhano, liderado pelo Duque de Alba, após derrotar o exército português liderado por D. António (prior do Crato e aclamado Rei de Portugal em Junho) na Batalha de Alcântara. Forçado ao exílio, D. António tentaria posteriormente o regresso e reconquista do trono de Portugal com o auxílio de ingleses e franceses, sem sucesso. Viria a falecer em Paris a 25 de Agosto de 1595. Depois da morte de D. Sebastião em Alcácer-Quibir (1578) e do seu tio D. Henrique (1580), chegava ao fim a dinastia de Avis, quase 200 anos depois de Aljubarrota. Felipe II de Espanha tornava-se Filipe I de Portugal, mantendo-se assim no plano formal a separação dos reinos.

1 de Dezembro de 1640 - Após 60 anos em que a verdadeira independência e os interesses dos portugueses foram sendo cada vez mais postos em causa, levantou-se um movimento de conjurados (desde 1638-39) com vista à deposição do poder filipino e coroação de um novo Rei de Portugal. D. João, Duque de Bragança, afigurava-se como o mais provável e legítimo candidato, pelo que os conjurados cedo tentaram conseguir que assim se assumisse e desse o seu apoio a uma revolta. O Duque de Bragança, porém, sujeito a um rigoroso controlo por parte da coroa espanhola, hesitava num mar de dúvidas no seu Paço de Vila Viçosa. Ainda assim desobedeceu e furtou-se hábil e discretamente a várias ordens do Governo de Madrid que procuravam afastá-lo de Portugal, sendo mais significativa a sua recusa em reunir tropas para ajudar a pôr fim à revolta da Catalunha. Perante tais condicionantes, não desamimaram nem desarmaram os conjurados, que prosseguiram os seus intentos sempre dando conta dos mesmos ao Duque, sempre que possível. Após algumas reuniões em Outubro nas quais se preparava já a revolta, foi finalmente durante o dia 30 de Novembro e madrugada fora do dia 1 de Dezembro de 1640 que os conspiradores, oriundos de várias classes e possuidores de variados estatutos, se reuniram no Palácio dos Condes de Almada (ao Rossio) para dar início ao plano. Na manhã desse Sábado (dia 1) dirigiram-se ao Paço da Ribeira (Terreiro do Paço), dissimulados e em número aproximado de 40 elementos (!). Dividindo-se em grupos venceram pela surpresa as guarnições ali existentes. Um dos grupos encontrou finalmente Miguel de Vasconcellos, o odiado Secretário de Estado que governava efectivamente o país à vontade e submissão da coroa espanhola, que desde então e para sempre teve o seu nome eleito como símbolo de traição ao país. Foi morto e defenestrado, para contentamento não só dos conjurados mas ao que parece da própria Vice-Rainha, Margarida de Sabóia (Duquesa de Mântua), que apesar do seu estatuto pouco ou nada governava (em detrimento de Miguel de Vasconcellos). Porém e para concluir com sucesso a revolta foi também presa a Duquesa bem como a quase totalidade da fidalguia espanhola instalada em Lisboa, que por sorte estava presente no Paço (facilitando assim a tarefa dos conspiradores). Restavam as guarnições do Castelo de São Jorge e das fortificações da barra do Tejo, enquanto o povo, jubilante, aderia plenamente à revolta e se encarregava do resto, tomando o Senado de Lisboa e para si a bandeira da cidade. Não resistiram muito as ditas guarnições, sendo todas as fortificações tomadas pelos conspiradores e pelo povo sem grandes dificuldades.
Com 40 homens e, ao que se sabe, apenas 3 mortes (do lado pró-espanhol), se libertou assim o país do jugo da poderosa Espanha.
As notícias depressa chegaram a Vila Viçosa, onde se encontrava o Rei aclamado, bem como ao resto do país, onde foram recebidas com tal júbilo e apoio que mais parecia que o domínio filipino havia durado um só dia. Reconquistou-se Portugal, estava reconquistada a independência.

6 de Dezembro de 1640 - O novo rei D. João IV entrou finalmente em Lisboa, em perfeita apoteose. Daí em diante tratou de recuperar o Império até então gravemente em desleixo. As possessões na Ásia, salvo raras excepções, já haviam sido irremediavelmente perdidas em massa para ingleses, franceses e holandeses (todos inimigos dos espanhóis). Em África idem, embora o caso mais grave fosse a perda de Ceuta, arduamente conquistada 225 anos antes sob as ordens de D. João I, Mestre de Avis vitorioso de Aljubarrota. Já plenamente controlada e dominada pelos espanhóis, a cidade optou pela fidelidade ao país vizinho, embora mantendo no seu escudo e até hoje as armas de Portugal. En contrapartida, o fiel Brasil, cada vez mais "jóia da coroa", assim se manteve, mas como jóia da coroa portuguesa.

24 de Maio de 1861 - Foi fundada a Comissão Central do 1º de Dezembro de 1640, que mais tarde viria a dar origem à Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Desde a Restauração de 1640 tinham-se sucedido outros episódios que haviam feito perigar a independência do país.
Logo nas três décadas seguintes a Espanha, inconformada, prosseguiu uma guerra contra a coroa portuguesa, só se dando por vencida 28 anos depois de 1640.
Mais tarde, em 1807, dão-se as invasões francesas. Deposta a monarquia espanhola em favor de Napoleão, França e Espanha planeiam a captura e derrota de Portugal e a subsequente partilha do território português e suas colónias. D. João VI, Rei de Portugal, opta por embarcar rumo ao Brasil, procurando assim salvaguardar, para além da sua vida e a dinastia, a maior colónia do Império. Em 1814, derrotada a França, Portugal poderia receber de novo o seu rei. Este, no entanto, demora ainda, enquanto no Brasil o movimento para a respectiva independência ganha cada vez mais força.
Sucedem-se a independência efectiva do Brasil e a cruenta Guerra Civil em Portugal, opondo liberais e absolutistas.
Em 1861 vive-se a paz, mas o que resta do país e do seu império já nada tem a ver com as glórias passadas. São tempos conturbados e de agitação latente. No meio da proliferação de idéias e movimentos "político-intelectuais", surge uma corrente chamada "iberista", que evoca com saudade a época filipina e advoga uma nova união das coroas como melhor caminho para Portugal. É então que se juntam de novo pessoas de diferentes condições (e até convicções políticas), que unidos sob um fervor patriótico e nacionalista resolvem fundar a Comissão Central do 1º de Dezembro de 1640. De novo Lisboa é o palco, sendo a sede o mesmo Palácio dos Condes de Almada, futuro Palácio da Independência (até hoje). Os comissários de então apelam ao povo para que demonstrasse o seu patriotismo e repúdio pelo "iberismo", ali mesmo, junto ao Palácio onde tudo havia começado 221 anos antes. É posteriormente elaborado um manifesto para ser distribuido pelo país inteiro, visando grandiosa e adequada celebração da Restauração. Na redacção desse manifesto tomaram parte "o historiador Alexandre Herculano, o orador José Estevão Coelho de Magalhães, e os escritores Dr. Gomes de Abreu, lente da Universidade de Coimbra, e António da Silva Túlio" (site da SHIP). Aqui reproduzimos aquela fervorosa e admirável exortação:

"A commissão eleita pelos cidadãos lisbonenses que se reuniram no histórico palacio dos Condes de Almada, para prescrever o modo por que na capital se há de dar maior solemnidade ao anniversário da revolução de 1640, que restituiu a Portugal os fóros de nação independente, de que fôra esbulhada por Filippe II de Castella em 1580, julgou conveniente, antes de tomar qualquer arbítrio, expor aos seus eleitores e a todo o reino a interpretação que dá mandato com que foi honrada derivando essa interpretação não só dos termos em que elle é concebido, mas também do pensamento que attribue ao povo portuguez, na commemoração solemne que, tanto em Lisboa como n’outras terras do reino, deliberou fazer no dia 1.º de Dezembro próximo.
O povo portuguez, seguro da sua existencia nacional, e conscio dos imprescríptiveis direitos em que ella assenta, sem ter esquecido as heroicas acções com que seus antepassados conquistaram e mantiveram a independência da patria, havia quasi apagado, pelo, pelo seu caracter humano e pacifico, a recordação publica de cruentas pelejas, que foram mais um desengano, entre tantos que a historia accumula, de que a força e a ambição, por si sós, não lograram no mundo triumphos duradouros.
Depois que a Hespanha perdeu Portugal, por essa lei immutavel que em differentes periodos, mas com o mesmo rigor, tem posto por terra todos os senhorios creados sómente pela violencia, os dois povos da peninsula, constituidos em nacionalidades separadas, tem corrido a mesma sorte, tanto nas contendas internas como na grande lucta européa, em que batalharam pelo mesmo principio, alcançando dos seus triumphos, não a sujeição de um ao outro, mas a independencia de ambos.
A França, com inteira abnegação, depoz no archivo das suas glorias militares o mappa das conquistas que fizera; e, convencida de que a sorte das armas fôra a sentença da rasão e da justiça, nem hoje, que tão crescida está em poder e tão voltada às suas recordações guerreiras, se julga com direito aos dominios que perdeu, nem tão pouco se mostra propensa a empregar os seus exercitos para os reconquistar á face da Europa.
A Hespanha, seguindo este exemplo, não se humilha; antes fôra mais para lhe estranhar a ella o intento de avassallar Portugal, do que á França o designio de retomar os estados que out'ora formaram o seu ephemero e revolto imperio.

A dominação estrangeira gera sempre rancores que se transmittem de geração a geração, e que só o decurso do tempo póde apagar; sobretudo quando esse dominio pesou duramente sobre uma nação altiva e generosa.
Ha quasi tres seculos que nossos avós caíram na servidão estranha. A Providencia punia talvez com esse castigo uma epocha de lastimosa decadencia moral. Sessenta annos de oppressão reanimaram pela dôr de crueis padecimentos, as virtudes publicas esmorecidas, e os brios heroicos de um povo de soldados. A gente portugueza quebrou então o jugo, e combateu. Deus abençoou os seus esforços. Suppunham que Portugal se ia dissolvendo no tumulo; e elle, como Lazaro, ergueu-se á voz do Senhor!
A lucta foi longa, e ainda hoje. n'esta terra da pátria, que é santa para nós, como esperamos que a seja para nossos netos, ha vestigios do que nos custou a independencia e a liberdade.
A geração que combateu, a geração que lavou com sangue o seu testamento politico nos campos de batalha ou nos muros rotos das povoações incendiadas, legou aos filhos uma herança de odio vingativo. Aquelles tempos não eram como estes nossos: e que o fossem se essa ruim paixão póde ter desculpa, é quando se enraiza no coração do que é ou do que foi servo contra os seus oppressores.
Os annos volveram, a civilisação caminhou; a razão publica esc1areceu-se: e d'esses rancores antigos não restava, entre o nosso povo, senão uma desconfiança que tinha a sua plena jnstificação na historia. 0 que fôra odio implacavel, e depois repugnancia tenaz, começou a converter-se, entre as classes mais cultas, n'uma sympathia propria de bons visinhos, e digna de povos civilisados e christãos.
Infelizmente houve quem tomasse esta transformação, que não é mais que indicio de progresso e de brandura nos costumes, como symptoma de indifferença pela propria nacionalidade. Houve quem pensasse, que seguindo o exemplo do nosso velho alliado dos tempos heroicos, o guerreiro Aragão, cujo elmo de bronze, dourado pelo sol de cem batalhas, jaz caido ao lado do leão de Castella, não nos repugnaria ver enxerir as quinas a um canto do escudo hespanhol! Era um d'aquelles equivocos que fazem sorrir mudamente; mas n'este caso, a mudez interpretou-se como indifferença, talvez como approvação.
Parte da imprensa periodica de Madrid suppoz que havia em Portugal quem estivesse enfadado de ser portuguez, e insinuou que, se nos unissemos á Hespanha, podiamos realisar altas phantasias de poder e engrandecimento, de que uma nação não precisa para ser feliz, nem aproveitar mais à civilisação commum para a qual todos os estados, pequenos e grandes, podem concorrer.
Porque deixámos passar sem constestação esses devaneios, pouco faltou para que tudo quanto constitue o nervo de uma nação, que os representantes de todas as actividades d'esta terra, os representantes da imprensa, da tribuna, da propriedade, do capital, do commercio, da milicia, do sacerdocio e da magistratura, fossem declarados ibericos! Pintavam um verdadeiro 1580.
Estas dissertações da imprensa interessada, e por isso incompetente, passaram as raias da peninsula, e acharam echo n'outra imprensa alem dos Pyrenéos, que tem a seu favor a presumpção de imparcialidade. Não affirmamos que o facto fosse fortuito e gratuito; o que sabemos só é que a poesia tornou-se doutrina, a utopia systema, e que depois d'isto não é permitido silencio.
Precisavamos, portanto, expor claramente a opinião unanime do povo portuguez, e assegurar aos homens e aos governos que se interessam no melhor regimento da familia européa, que é animo e deliberação nossa defender a integridade do territorio que possuimos, não acceitando aggregações incongruentes com o caracter e tradições nacionais, e que nos empenhamos, quanto cabe em nossas faculdades e no-lo permittem os obstaculos da governação que todos os povos tem encontrado nos aperfeiçoamentos sociaes, por sermos dignos de fazer parceria com as nações civilisadas, tanto pelos nossos feitos passados como pela nossa vida contemporanea.
Nenhuma rasão politica, moral ou economica, em beneficio commum da Europa, exige que Hespanha e Portugal formem um só estado; e o direito publico europeu, reconhecendo n'estes ultimos tempos, para todas as annexações e transacções politicas, como condição indispensavel, a vontade manifesta dos povos, não permitte que se constranja uma nação, por mais pequena que seja, a abdicar o seu nome, o seu passado, a sua autonomia.

Portugal, avivando e celebrando com mais solemnidade o anniversario da reconquista da sua Independencia em 1640, nem pretende ferir o pundonor da briosa nação hespanhola, nossa amiga e alliada, nem resuscitar os odios que outr'ora inimisaram os dois povos convisinhos.
Não quer repta-la. Não leva a mão á espada. Unicamente aponta para o seu direito, e diz á Europa que está decidido a defendel-o.
Nenhum outro motivo inspirou aos portuguezes a idéa de manifestar o seu patriotismo, determinando sem insinuação nem concerto prévio, na capital, nas provincias, em cidades e aldeias, repor na memoria nacional, com a devida solemnidade, o anniversario da Restauração da nossa Independencia em 1640.
O modo mais adequado de celebrar este anniversario, pareceu-nos ser aquelle mesmo que estabeleceram os nossos libertadores, com o addicionamento que a nossa gratidão lhes deve.
Na circular que junta com este manifesto, dirigimos ás commissões já instituidas, e ás que se houverem de crear, vão indicados os alvitres que adoptamos.
O sentimento publico, assim como se moveu, de por si, a esta manifestação, ha de realisa-la com sisudeza, sem ostentações vãs, e com a circumspecção que demanda tal solemnidade.

Lisboa, 25 de Agosto de 1861."

Brilhante texto, de uma actualidade impressionante!
Na sequência deste e de outros apelos daquela que se viria a tornar na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, consagrou-se então a celebração do 1º de Dezembro, feriado nacional.

28 de Abril de 1886 - Foram inaugurados em Lisboa (Av. da Liberdade) o monumento e praça dos Restauradores. O monumento, cujo primeira pedra havia sido lançada em 1875.

Celebre-se então a nossa independência! Aqui fica a ligação para a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, onde poderão ser consultadas as iniciativas e os festejos previstos para a nossa cidade.

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Vox Populi

Rossio e Terreiro do Paço, obstinada e comodamente lhes chamam o povo de Lisboa. O primeiro é nome seguramente mais antigo enquanto a sua designação "oficial" (Praça D. Pedro IV) é relativamente mais recente (a partir de 1836). Quanto ao Terreiro do Paço, assim ficou a ser conhecido pela importância do Palácio Real (Paço) que D. Manuel ali decidiu instalar em 1511. Com o terramoto de 1755 e a reconstrução pombalina mudou-se o Paço para outras paragens (Ajuda) e surgiu a Praça do Comércio... mas não desapareceu da voz do povo a denominação antiga.

Por curiosidade, não se pense então que Lisboa afinal não tem um Rossio. Tem (mais) três! A saber: o Rossio de Palma (ali para os lados da Palma de Baixo) e os novíssimos Rossio dos Olivais (em pleno Parque das Nações, junto ao Pavilhão Atlântico) e Rossio do Levante (também na "nova" zona oriental - Moscavide).

Mas se a voz do povo é teimosa, outros casos existem em que terão vingado os novos baptismos. Trago-vos um exemplo relativamente recente e abrangente: a Palhavã. A maior parte de nós ainda saberá perfeitamente onde fica a zona da Palhavã, mas quando alguém nos pergunta... é Praça de Espanha. Ironicamente este nome deve-se à presença da Embaixada de Espanha... instalada no antigo Palácio da Palhavã (e em bom rigor este ainda se deveria chamar assim). Contudo o golpe final deverá ter sido desferido pelo Metropolitano de Lisboa, que só muito recentemente rebaptizou a respectiva estação, de Palhavã para Praça de Espanha. Não deixou de ser a voz do povo, é certo... mas o povo mudou de idéias. Onde pára a Palhavã (e a antiga estrada da Palhavã)?

Mais recente ainda - e para finalizar, outro caso de "resistência". Se calhar todos sabem onde é a Praça do Aeroporto, mas para mim continuará a ser a Rotunda do Relógio, mesmo que o dito relógio de ponteiros tenha entretanto desaparecido!

Terreiro do Paço sem terreiro e sem paço, Palhavã sem palha, Rotunda do Relógio sem o velho relógio... e esta, hein? É a voz dos tempos!

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Borratém... e a figueira

Depois do "post" sobre Maximiliano no Rossio e do subsequente "desafio" de Paulo Ferrero (do recomendadíssimo Cidadania Lx) passei à Rua da Betesga (ver abaixo).
Hoje e para não ir muito mais longe detenho-me na vizinha Rua do Poço do Borratém, que da Praça da Figueira e bordejando a encosta parte em busca do actual Martim Moniz.

A actual Rua do Poço do Borratém, ao que consegui apurar e um pouco em contrário do resto da Baixa, não difere muito em percurso (talvez mesmo nada) da rua ali existente antes do Terramoto de 1755. Aliás olhando para o mapa da zona parece que esta e a Rua da Madalena fazem de fronteira entre a baixa de "régua e esquadro" (a pombalina, a ocidente) e a encosta de ruas sinuosas e casario diverso.
Se é arriscado para mim avançar com a época exacta em que se fez a rua (fora da "cerca moura", salvo erro), parece-me mais seguro, depois de alguma investigação (embora algo superficial), avançar sobre qual a origem do seu nome.

Quanto ao poço, claro, não haverá que dar mais voltas. Existiu e, ao que sei, existe ainda o Poço do Borratém, embora hoje "escondido" dentro de um edíficio de origem "pombalina" (onde hoje é um hotel, no nº4). Uma das mais conhecidas referências ao poço (e das mais antigas, penso) encontra-se no Pranto de Maria Parda, de Gil Vicente. Ali a pobre Maria lamenta-se da escassez de vinho na cidade (que efectivamente terá ocorrido em ano vinícola bastante mau - 1522), andando a pedinchar, pranteando, por uma taça do dito. E numa das tentativas recebe a resposta "Muyta agoa há em Boratém", lembrando que a água lhe mataria bem a viciada sede. Ficando assim a saber que já em 1522 era afamado o poço, sigo agora com algumas pistas sobre a origem do termo "Borratém".

Sem grande surpresa (até pela sua fonética) encontrei elementos que apontam para a sua origem árabe... ou hebraica. Parece-me de esquecer alguma outra ingénua e fácil tentação, como tantas que há por aí, de fazer associar a palavra a "borra-tem".
"Bir" significa poço em árabe, enquanto em hebraico se diz "bor" (mesmo em árabe a pronúncia assemelha-se a esta). Quanto ao resto... "at-tin" significa figueira em árabe. Pelo que "bir-at-tin" significa "poço da figueira". Por sua vez em hebraico (e em virtude da origem comum), poderíamos ter "bor-a-te'enah" ("poço da figueira") ou até mesmo "bor-a-te'enim" ("poço das figueiras").
E aqui, inesperadamente para mim, passo a envolver a história outro local emblemático, a Praça da Figueira. Nas explicações que conheço para justificar o nome da praça é referida, obviamente, uma figueira. Com todos estes elementos é difícil duvidar que na zona existiria pelo menos uma! No entanto refere-se com frequência que a árvore não estaria bem ali mas sim perto do antigo Paço dos Estaus (lado norte do Rossio), onde supostamente seria a última visão para os condenados da Inquisição que pouco depois conheciam o seu destino fatal. Teria vindo daí o nome da praça, contruída depois de 1755. A hipótese que emerge, quanto a mim, é a de que ainda antes dessa época e - sobretudo - antes da construção do Hospital Real de Todos os Santos (1501) poderá já ter existido uma praça da figueira... junto ao "poço da figueira". Em comum, a figueira, embora o nome do poço se quedasse com a versão árabe ou judaica.

Poderá então ter surgido uma praça e o poço da figueira ainda aquando da ocupação árabe? Ali, no meio do casario que se já aninhava contra o exterior das muralhas, não muito longe da Porta da Alfofa? Salvo melhor opinião (e é uma opinião, note-se), creio que não. Até à reconquista cristã corria ainda a céu aberto a ribeira, pelo que não vejo muito sentido nisso. Pelo contrário, creio que tal deverá ter sido após o subsequente estabelecimento da Mouraria (e de uma judiaria também, ao que parece).

De qualquer forma, ali havia uma figueira (uma, pelo menos!)...

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

Meter o Rossio na Betesga

Recebi o prazenteiro desafio de aqui trazer a célebre expressão "meter o Rossio na Betesga". À partida não tenho qualquer conhecimento privilegiado senão o da utilização corrente - embora cada vez menos - da própria expressão (por vezes hoje utilizada numa forma que creio já ser adaptada: "meter o Rossio na Rua da Betesga"), o saber onde ficam o Rossio e a Rua da Betesga e qual o seu significado.

Independentemente da origem precisa e correcta, o significado da expressão ainda hoje se pode comprovar in loco, com maior ou menor evidência do que em tempos idos. Querer meter o Rossio, grande praça lisboeta (durante muito tempo a maior da cidade), na rua que hoje liga esta mesma praça à Praça da Figueira, é algo difícil ou impossível (e/ou desproporcionado). É como querer passar um camelo pelo buraco de uma agulha, para citar a Bíblia.

A questão seguinte é: porquê a Rua da Betesga? Não sei ao certo porquê, como tal toda a ajuda dos leitores será bem-vinda. No entanto posso adiantar algumas hipóteses, sendo que uma delas, salvo melhor opinião, parece-me a mais plausível.
Antes de enunciar cada uma convém esclarecer qual é o significado de "betesga". Consultando um dicionário ficamos a saber que é sinónimo de "rua estreita", "beco sem saída" ou "viela". Desde logo salta à vista o facto de a "Rua da Betesga" poder ser uma redundância (como "Rua da rua estreita") ou então fazer referência a uma outra rua. Como veremos, esta última possibilidade é a que me parece mais apropriada, até porque por esse país fora (e também no Brasil) existem muitas "betesgas" e, ao que saiba, mais nenhuma "Rua da Betesga".

A primeira hipótese, a mais óbvia e simples, associaria o ditado à actual Rua da Betesga. Para assim ser, "Rua da Betesga" seria uma designação redundante e a dita rua teria de ser efectivamente considerada como estreita ou sem saída. Ora, desde que foi aberta, na sequência do terramoto de 1755, a rua em causa nunca foi especialmente estreita e muito menos sem saída. É certo que sofreu alguns alargamentos e que após a demolição do Mercado da Praça da Figueira (ou a praça propriamente dita, em 1949) se reabriu a desafogada praça actual. Mas sinceramente, creio que não basta. Quando muito admitiria a possibilidade de se referir à Rua da Betesga porque a mesma faz a comunicação entre o Rossio e a Praça da Figueira e a passagem de um lado para outro, em dias de multidão, ser facilmente congestionável.

A segunda hipótese, sequência natural da primeira, faria assentar a razão do ditado naquela que foi a rua antecessora da Rua da Betesga. Como esta, partia do Rossio, mas ladeava o Hospital Real de Todos os Santos, que já não existe (foi destruído pelo terramoto de 1755 e sobre parte das suas ruínas se abriu a Praça da Figueira). É possível verificar qual o traçado dessa antiga rua recorrendo a alguns mapas antigos e até mesmo a mapas actuais que nos mostram a sobreposição dos arruamentos, antes e depois do terramoto. É o caso da figura que apresento em seguida, abusivamente retirada do Pequeno blogue do Grande Terramoto, cuja visita recomendo vivamente.
Como se pode ver, a actual Rua da Betesga não coincide exactamente com a rua anterior e esta não se chamava formalmente “Rua da Betesga” (não vos consigo apontar qual era o seu nome exacto pois está pouco legível num dos mapas que consultei – mas não era esse). No entanto e compreensivelmente uma ficou herdeira da outra. Seria então aquela a rua demasiado estreita para lá querer meter o Rossio? Pelos mapas que consultei a rua era muito provavelmente mais estreita que a actual, no entanto não me parece que fosse especialmente estreita, sobretudo tendo em conta os padrões da época (e já desde o tempo da ocupação árabe). Porém encontramos um pouco mais de lógica para a designação “Rua da Betesga”, se considerarmos que betesga era a antiga rua e que a actual a lhe faz referência. Não fosse existir mais um dado importante, esta hipótese teria o meu “voto”.

Chegamos então à terceira hipótese, para cuja sustentação vale a pena observar de novo a figura com as antigas ruas. Se repararem, no meio da antiga rua havia de facto uma ruela sem saída. Uma betesga, pois. Estou assim em crer que foi o povo de Lisboa que terá baptizado informalmente a antiga rua como “rua da bestega” devido à já identificada betesga que ficava no meio da dita. A nova rua, pós-1755, terá então recebido a designação da antiga que entretanto já era comum. Quanto à expressão, poderá ter surgido assim já antes de 1755 (quiçá até por volta de 1500, quando se acabava a contrução do Hospital Real, ou até antes?), quando a betesga lá estava e de tal forma era evidente o disparate de lá querer meter o Rossio.
Entretanto a betesga desapareceu, surgiu uma Rua da Betesga sem betesga, mas a memória do povo encarregou-se de manter a associação. Ainda que anos depois gerações “orfãs” da betesga tenham por vezes adaptado a expressão para “o Rossio na Rua da Betesga”, menos correcta e fiel ao original, mas que na prática… vai dar ao mesmo. Não tentem meter o Rossio na actual Rua da Betesga!

terça-feira, 8 de novembro de 2005

D. Pedro IV ou Maximiliano do México?

MaximilianoÉ uma das pequenas mas famosas historietas do anedotário lisboeta, a de que a estátua de D. Pedro IV de Portugal existente na praça do Rossio não será a do rei português mas sim de Maximiliano, Imperador do México. Como alguns outros contos de duvidosa e não comprovada veracidade, esta lenda sobreviveu, difundiu-se e instalou-se mesmo no ideário alfacinha, a que não escaparam sequer as letras (exemplo de José Cardoso Pires). Terá sido por maldade politiqueira ou simplesmente fruto do fácil - estranhamente entranhado e até acarinhado - sentido de auto-ridicularização dos portugueses? À falta de algo mais para rir, talvez...
A lenda vive desde o dia em que a estátua ocupou o seu lugar no pedestal (lá no alto inacessível aos comuns transeuntes, note-se).

Não alheio a essa paródia não se pode ignorar um precedente também caricato, mas este sim verídico: inicialmente foi erguido apenas um pedestal e aí se manteve por muito tempo sem que lá fosse colocada qualquer estátua. Os lisboetas, achando graça, baptizaram a aberração como o "galheteiro". Daí que, quando o bom D. Pedro IV finalmente subiu às alturas do Rossio, qualquer solenidade se desse por perdida.

Para cúmulo, existe mais que uma versão a defender (ou pelo menos perpetuar) que o desgraçado Maximiliano, depois de fuzilado no México, ficou com vista eterna sobre a Baixa. D. PedroUma delas conta que teria havido confusão de encomendas, tendo sido trocadas as estátuas (sendo assim que a de D. Pedro teria seguido caminho para o México). Imaginativa mas desprovida de qualquer sentido, até porque qualquer estátua que houvesse de Maximiliano (ou de D. Pedro em vez dele) seguramente já não seria aceite no México. Outra versão, mais elaborada e irónica quanto ao proverbial e tosco "desenrascanço" nacional, conta que estaria em trânsito no porto de Lisboa uma estátua de Maximiliano, que entretanto morrera. Ficando assim sem destino, teria então sido aproveitada como solução barata e imediata para a falta da estátua de D. Pedro no Rossio. O povo, esse, não daria conta, até porque os Imperadores eram algo parecidos de rosto e na habitual fardamenta - o que até era em parte verdade, decorrente das "modas" régias europeias de então. No entanto, nunca nada nisto se provou senão como boato.

Provada sim está a planificação e execução da figura de D. Pedro IV, reforçada por constatações mais recentes de que as insígnias na estátua são de facto de Portugal e não do México ou dos Habsburgos. No dia em que se chegou lá ao alto com maior facilidade, morreu a lenda. Perdeu-se a caricatura e a controvérsia de um estranho inquilino do Rossio, mas D. Pedro IV lá recuperou alguma da solenidade que o monumento deveria inspirar. É "só" um nosso soberano (e o primeiro do Brasil) e não o infeliz Maximiliano, a que nenhum outro nobre gabaria a bizarra sorte (quanto mais ser parte de uma sórdida galhofa alfacinha).

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Lisboa arrasada: foi há 250 anos

Recordo o 250º aniversário do terrível terramoto de 1755, que destruíu Lisboa e chocou o Mundo. É quase impossível imaginar e visualizar aquele cenário de destruição. Lisboa foi fustigada por três abalos de grande intensidade, várias vagas do subsequente maremoto e um incêncio descomunal que lavrou por vários dias. Milhares de mortos, ruína e desolação.
Aqui fica um dos relatos, atribuído ao reverendo Charles Davy, inglês que residia em Lisboa (na língua original, ainda que com algumas adaptações ao inglês moderno):

There never was a finer morning seen than the 1st of November; the sun shone out in its full luster; the whole face of the sky was perfectly serene and clear; and not the least signal of warning of that approaching event, which has made this once flourishing, opulent, and populous city, a scene of the utmost horror and desolation, except only such as served to alarm, but scarcely left a moment's time to fly from the general destruction.

It was on the morning of this fatal day, between the hours of nine and ten, that I was set down in my apartment, just finishing a letter, when the papers and table I was writing on began to tremble with a gentle motion, which rather surprised me, as I could not perceive a breath of wind stirring. Whilst I was reflecting with myself what this could be owing to, but without having the least apprehension of the real cause, the whole house began to shake from the very foundation, which at first I imputed to the rattling of several coaches in the main street, which usually passed that way, at this time, from Belem to the palace; but on hearkening more attentively, I was soon undeceived, as I found it was owing to a strange frightful kind of noise under ground, resembling the hollow distant rumbling of thunder. All this passed in less than a minute, and I must confess I now began to be alarmed, as it naturally occurred to me that this noise might possibly be the forerunner of an earthquake, as one I remembered, which had happened about six or seven years ago, in the island of Madeira, commenced in the same manner, though it did little or no damage.

Upon this I threw down my pen---and started upon my feet, remaining a moment in suspense, whether I should stay in the apartment or run into the street, as the danger in both places seemed equal; and still flattering myself that this tremor might produce no other effects than such inconsiderable ones as had been felt at Madeira; but in a moment I was roused from my dream, being instantly stunned with a most horrid crash, as if every edifice in the city had tumbled down at once. The house I was in shook with such violence, that the upper stories immediately fell; and though my apartment (which was the first floor) did not then share the same fate, yet everything was thrown out of its place in such a manner that it was with no small difficulty I kept my feet, and expected nothing less than to be soon crushed to death, as the walls continued rocking to and fro in the frightfulest manner, opening in several places; large stones falling down on every side from the cracks, and the ends of most of the rafters starting out from the roof. To add to this terrifying scene, the sky in a moment became so gloomy that I could now distinguish no particular object; it was an Egyptian darkness indeed, such as might be felt; owing, no doubt, to the prodigious clouds of dust and lime raised from so violent a concussion, and, as some reported, to sulphureous exhalations, but this I cannot affirm; however, it is certain I found myself almost choked for near ten minutes.

I hastened out of the house and through the narrow streets, where the buildings either were down or were continually falling, and climbed over the ruins of St. Paul's Church to get to the river's side, where I thought I might find safety. Here I found a prodigious concourse of people of both sexes, and of all ranks and conditions, among whom I observed some of the principal canons of the patriarchal church, in their purple robes and rochets, as these all go in the habit of bishops; several priests who had run from the altars in their sacerdotal vestments in the midst of their celebrating Mass; ladies half dressed, and some without shoes; all these, whom their mutual dangers had here assembled as to a place of safety, were on their knees at prayers, with the terrors of death in their countenances, every one striking his breast and crying out incessantly, Miserecordia meu Dios! . . . In the midst of our devotions, the second great shock came on, little less violent than the first, and completed the ruin of those buildings which had been already much shattered. The consternation now became so universal that the shrieks and cries of Miserecordia could be distinctly heard from the top of St. Catherine's Hill, at a considerable distance off, whither a vast number of people had likewise retreated; at the same time we could hear the fall of the parish church there, whereby many persons were killed on the spot, and others mortally wounded.

You may judge of the force of this shock, when I inform you it was so violent that I could scarce keep on my knees; but it was attended with some circumstances still more dreadful than the former. On a sudden I heard a general outcry, "The sea is coming in, we shall be all lost." Upon this, turning my eyes towards the river, which in that place is nearly four miles broad, I could perceive it heaving and swelling in the most unaccountable manner, as no wind was stirring. In an instant there appeared, at some small distance, a large body of water, rising as it were like a mountain. It came on foaming and roaring, and rushed towards the shore with such impetuosity, that we all immediately ran for our lives as fast as possible; many were actually swept away, and the rest above their waist in water at a good distance from the banks. For my own part I had the narrowest escape, and should certainly have been lost, had I not grasped a large beam that lay on the ground, till the water returned to its channel, which it did almost at the same instant, with equal rapidity. As there now appeared at least as much danger from the sea as the land, and I scarce knew whither to retire for shelter, I took a sudden resolution of returning back, with my clothes all dripping, to the area of St. Paul's. Here I stood some time, and observed the ships tumbling and tossing about as in a violent storm; some had broken their cables, and were carried to the other side of the Tagus; others were whirled around with incredible swiftness; several large boats were turned keel upwards; and all this without any wind, which seemed the more astonishing. It was at the time of which I am now speaking, that the fine new quay, built entirely of rough marble, at an immense expense, was entirely swallowed up, with all the people on it, who had fled thither for safety, and had reason to think themselves out of danger in such a place: at the same time, a great number of boats and small vessels, anchored near it (all likewise full of people, who had retired thither for the same purpose), were all swallowed up, as in a whirlpool, and nevermore appeared.

This last dreadful incident I did not see with my own eyes, as it passed three or four stones' throws from the spot where I then was; but I had the account as here given from several masters of ships, who were anchored within two or three hundred yards of the quay, and saw the whole catastrophe. One of them in particular informed me that when the second shock came on, he could perceive the whole city waving backwards and forwards, like the sea when the wind first begins to rise; that the agitation of the earth was so great even under the river, that it threw up his large anchor from the mooring, which swam, as he termed it, on the surface of the water: that immediately upon this extraordinary concussion, the river rose at once near twenty feet, and in a moment subsided; at which instant he saw the quay, with the whole concourse of people upon it, sink down, and at the same time every one of the boats and vessels that were near it was drawn into the cavity, which he supposed instantly closed upon them, inasmuch as not the least sign of a wreck was ever seen afterwards. This account you may give full credit to, for as to the loss of the vessels, it is confirmed by everybody; and with regard to the quay, I went myself a few days after to convince myself of the truth, and could not find even the ruins of a place where I had taken so many agreeable walks, as this was the common rendezvous of the factory in the cool of the evening. I found it all deep water, and in some parts scarcely to be fathomed.

This is the only place I could learn which was swallowed up in or about Lisbon, though I saw many large cracks and fissures in different parts; and one odd phenomenon I must not omit, which was communicated to me by a friend who has a house and wine-cellars on the other side of the river, viz., that the dwelling-house being first terribly shaken, which made all the family run out, there presently fell down a vast high rock near it; that upon this the river rose and subsided in the manner already mentioned, and immediately a great number of small fissures appeared in several contiguous pieces of ground, from whence there spouted out, like a jet stream, a large quantity of fine white sand to a prodigious height. It is not to be doubted the bowels of the earth must have been excessively agitated to cause these surprising effects; but whether the shocks were owing to any sudden explosion of various minerals mixing together, or to air pent up, and struggling for vent, or to a collection of subterranean waters forcing a passage, God only knows. As to the fiery eruptions then talked of, I believe they are without foundation, though it is certain I heard several complaining of strong sulphureous smells, a dizziness in their heads, a sickness in their stomachs, and difficulty of respiration, not that I felt any such symptoms myself.

I had not been long in the area of St. Paul's when I felt the third shock, somewhat less violent than the two former, after which the sea rushed in again, and retired with the same rapidity, and I remained up to my knees in water, though I had gotten upon a small eminence at some distance from the river, with the ruins of several intervening houses to break its force. At this time I took notice the waters retired so impetuously, that some vessels were left quite dry, which rode in seven fathom water; the river thus continued alternately rushing on and retiring several times together, in such sort that it was justly dreaded Lisbon would now meet the same fate which a few years before had befallen the city of Lima; and no doubt had this place lain open to the sea, and the force of the waves not been somewhat broken by the winding of the bay, the lower parts of it at least would have been totally destroyed.

The master of a vessel which arrived here just after the 1st of November, assured me that he really concluded he had struck upon a rock, till he threw out the lead, and could find no bottom, nor could he possibly guess at the cause, till the melancholy sight of this desolate city left him no room to doubt of it. The two first shocks, in fine, were so violent that several pilots were of opinion the situation of the bar at the mouth of the Tagus was changed. Certain it is that one vessel, attempting to pass through the usual channel, foundered, and another struck on the sands, and was at first given over for lost, but at length got through. There was another great shock after this, which pretty much affected the river, but I think not so violently as the preceding; though several persons assured me that as they were riding on horseback in the great road leading to Belem, one side of which lies open to the river, the waves rushed in with so much rapidity that they were obliged to gallop as fast as possible to the upper grounds, for fear of being carried away.

I was now in such a situation that I knew not which way to turn myself: if I remained there, I was in danger from the sea; if I retired farther from the shore, the houses threatened certain destruction; and at last, I resolved to go to the Mint, which being a low and very strong building, had received no considerable damage, except in some of the apartments towards the river. The party of soldiers, which is every day set there on guard, had all deserted the place, and the only person that remained was the commanding oflicer, a nobleman's son, of about seventeen or eighteen years of age, whom I found standing at the gate. As there was still a continued tremor of the earth, and the place where we now stood (being within twenty or thirty feet of the opposite houses, which were all tottering) appeared too dangerous, the courtyard being likewise full of water, we both retired inward to a hillock of stones and rubbish: here I entered into conversation with him, and having expressed my admiration that one so young should have the courage to keep his post, when every one of his soldiers had deserted theirs, the answer he made was, though he were sure the earth would open and swallow him up, he scorned to think of flying from his post. In short, it was owing to the magnanimity of this young man that the Mint, which at this time had upwards of two millions of money in it, was not robbed; and indeed I do him no more than justice in saying that I never saw any one behave with equal serenity and composure on occasions much less dreadful than the present....

Perhaps you may think the present doleful subject here concluded; but alas! the horrors of the 1st of November are sufficient to fill a volume. As soon as it grew dark, another scene presented itself little less shocking than those already described: the whole city appeared in a blaze, which was so bright that I could easily see to read by it. It may be said without exaggeration, it was on fire at least in a hundred different places at once, and thus continued burning for six days together, without intermission, or the least attempt being made to stop its progress.

It went on consuming everything the earthquake had spared, and the people were so dejected and terrified that few or none had courage enough to venture down to save any part of their substance; every one had his eyes turned towards the flames, and stood looking on with silent grief, which was only interrupted by the cries and shrieks of women and children calling on the saints and angels for succor, whenever the earth began to tremble, which was so often this night, and indeed I may say ever since, that the tremors, more or less, did not cease for a quarter of an hour together. I could never learn that this terrible fire was owing to any subterranean eruption, as some reported, but to three causes, which all concurring at the same time, will naturally account for the prodigious havoc it made. The 1st of November being All Saints' Day, a high festival among the Portuguese, every altar in every church and chapel (some of which have more than twenty) was illuminated with a number of wax tapers and lamps as customary; these setting fire to the curtains and timber-work that fell with the shock, the conflagration soon spread to the neighboring houses, and being there joined with the fires in the kitchen chimneys, increased to such a degree that it might easily have destroyed the whole city though no other cause had concurred, especially as it met with no interruption.

But what would appear incredible to you, were the fact less public and notorious, is that a gang of hardened villains, who had been confined and got out of prison when the wall fell, at the first shock, were busily employed in setting fire to those buildings which stood some chance of escaping the general destruction. I cannot conceive what could have induced them to this hellish work, except to add to the horror and confusion that they might, by this means, have the better opportunity of plundering with security. But there was no necessity for taking this trouble, as they might certainly have done their business without it, since the whole city was so deserted before night that I believe not a soul remained in it except those execrable villains and others of the same stamp. It is possible some among them might have had other motives besides robbing, as one in particular being apprehended (they say he was a Moor, condemned to the galleys), confessed at the gallows, that he had set fire to the king's palace with his own hand; at the same time glorying in the action, and declaring with his last breath that he hoped to have burnt all the royal family. It is likewise generally believed that Mr. Bristow's house, which was an exceedingly strong edifice, built on vast stone arches, and had stood the shocks without any great damage further than what I have mentioned, was consumed in the same manner. The fire, in short, by some means or other, may be said to have destroyed the whole city, at least everything that was grand or valuable in it.

With regard to the buildings, it was observed that the solidest in general fell the first. Every parish church, convent, nunnery, palace, and public edifice, with an infinite number of private houses, were either thrown down or so miserably shattered that it was rendered dangerous to pass by them.

The whole number of persons that perished, including those who were burnt or afterwards crushed to death whilst digging in the ruins, is supposed, on the lowest calculation, to amount to more than sixty thousand; and though the damage in other respects cannot be computed, yet you may form some idea of it when I assure you that this extensive and opulent city is now nothing but a vast heap of ruins; that the rich and the poor are at present upon a level; some thousands of families which but the day before had been easy in their circumstances, being now scattered about in the fields, wanting every conveniency of life, and finding none able to relieve them.

De Lisboa

Eis aqui um pequeno blogue pessoal - mais um? - sobre Lisboa. E porquê? Essencialmente porque sou de Lisboa, vivo Lisboa (embora não rigorosamente na cidade) e... amo Lisboa? Mas afinal... o que é Lisboa?
Não é deusa, não é nação, não é capital mundial de nada (ou não lhe importa ser)... Nem tão pouco se pode resumir Lisboa ao fado, aos monumentos, aos eléctricos e elevadores, às praças e aos pombos, aos páteos, marchas, varinas e sardinhas... ou até a um clube de futebol!
Não sei se Lisboa é mais ou menos que tudo isso. Para uns Lisboa não é senão uma grande aldeia portuguesa (a maior), com brancura de luz e telhados de barro, mais os campanários, os bairros das vizinhas, um fado da Amália e o Tejo, que corre sereno e azul. Para outros o que mais fascina é a noite, as sombras, o Tejo reflectindo as luzes, os candeeiros, um cacilheiro a altas horas, gaivotas sonâmbulas, fados vadios e à desgarrada, bebedeiras, canalhice e o corropio de uma multidão anónima.

Talvez, ainda que com as suas nuances, Lisboa não seja nem mais nem menos fascinante do que qualquer outra grande cidade ou capital europeia. Talvez, mas não importa.

Procurarei trazer para aqui pedacinhos da grande história, as pequenas estórias, as lendas, as imagens e os cheiros. Sem esquecer a necessidade de preservar. De preservar as memórias vivas e as de pedra. De preservar todo o património, todos os patrimónios de que tipo sejam. De lutar para que esta cidade não seja mais um euro-aglomerado de betão, alcatrão e centros comerciais.

Que o blogue de Lisboa se sente à beira-Tejo, começemos.