Ao que pudémos apurar nas nossas pesquisas não existem ainda certezas sobre a fundação da cidade de Lisboa (quando e por quem). Aliás as dúvidas e erros sobre o assunto são quase tão antigos como ela, dificultando e mesmo desviando o caminho de muitos dos que têm investigado ao longo dos séculos.
As primeiras evidências documentais (de entre as que chegaram até aos nossos dias) foram obra dos romanos (nalguns casos apoiando-se em textos gregos). Embora tivessem fornecido a primeira explicação para a origem da cidade, não deixaram de nos legar dúvidas... mas também preciosas indicações, por muito óbvias que nos pareçam. Desde logo ficámos a saber que Lisboa não foi fundada pelos próprios romanos... e que já existiria há bastante tempo antes da sua chegada.
Ao analisar a teoria "romana" para a fundação poderemos ir mais longe ainda. Largamente difundida e aceite até tempos muito recentes, a versão dos romanos apontava o herói grego Ulisses como tendo sido o fundador de Lisboa. Com que razões? Em primeiro lugar poder-se-ão ter baseado no facto (já confirmado) de que Lisboa, aquando da chegada dos romanos, já era uma cidade com fortes e antigos laços com outros povos do Mediterrâneo. É bastante provável que os romanos encontrassem assim alguns traços helenizantes (ou que os entendessem como tal), para além da existência de rotas comerciais onde não faltariam (e não faltaram, como está provado também) produtos oriundos de colónias gregas.
Em segundo lugar e aos olhos dos romanos a criação de um "mito" fundador com raízes helénicas - ainda que não entendessem como tal - era também uma forma de integrar perfeitamente a cidade no "mundo" greco-romano, excluindo assim a intervenção de povos considerados hostis ou indignos face à superioridade da sua civilização. Ao fazê-lo, como veremos, os romanos afastavam deliberadamente a influência de povos "bárbaros" bem como os antigos e acérrimos rivais do mesmo "mundo": fenícios e cartagineses (de origem fenícia).
Esta segunda ordem de motivos, alheia à objectividade e ao rigor histórico, levanta desde logo sérias suspeitas. E os factos conhecidos ajudam a deitar por terra esta teoria "romana", por muito tempo que esta tenha sobrevivido... sobretudo por ter sido (e é) tremendamente apelativa aos historiadores e não-historiadores "românticos" que se sucederam. Seria de facto uma bela lenda, mas é de facto uma lenda. Senão vejamos:
Em momento algum nos é indicado claramente que Lisboa, à data da chegada dos romanos, seria ela própria uma colónia grega ou sequer contasse com uma presença significativa de cidadãos gregos. Nem por outro lado deixaram os próprios gregos evidências nesse sentido. Aliás esta fragilidade permitir-nos-ia concluir que, mesmo pondo Ulisses de parte, também não tenham sido os gregos a fundar Lisboa de todo. Os achados arqueológicos - não só em Lisboa mas em toda a Península Ibérica - parecem confirmá-lo: não terá existido nenhuma colónia grega, inteiramente como tal, no actual território português. É um facto que existiram efectivamente colónias gregas na Península Ibérica mas, contrariando certas generalizações, estas e os seus territórios ter-se-ão limitado à costa mediterrânica. E tal deveu-se, em grande parte e precisamente, à concorrência do "mundo" fenício...
Também é um facto que, antes dos romanos, os navegadores/comerciantes gregos terão explorado e viajado com alguma frequência pelas costas ocidentais, como atestaria o "périplo massaliota" principal fonte do poema "Orla Marítima" (do romano Avieno). No entanto nada dos indica que se tratassem de algo mais que contactos pontuais ou meramente comerciais com a zona de influência da colónia grega de Massalia (Marselha, em França). E uma vez mais tudo isto terá ocorrido num espaço de tempo não muito considerável, desde a efectiva decadência do poder de Cartago no Sul e Ocidente da Península até à chegada dos romanos.
Ainda que ao se comprovar que Lisboa não terá sido "grega" possam permanecer algumas dúvidas, a própria lenda encerra ainda outras grandes imprecisões. Diz a mesma que Ulisses e os seus bravos soldados, depois de vencida a guerra de Tróia, teriam iniciado uma errática viagem pelo Mediterrâneo, fazendo descobertas e cometendo novas façanhas. Entre elas deduziu-se a fundação de Olisipo, que deveria o seu nome ao herói (Ulisses/Olisis - Ulisseia/Olisipo). Ora, para começar, pouco ou quase nada do que foi relatado sobre as próprias Guerras de Tróia e eventos relacionados (incluindo a existência de Ulisses) foi até hoje comprovado histórica e arqueologicamente. Aliás a Odisseia encontra-se impregnada de elementos claramente mítológicos e não verdadeiros, tal como hoje é possível destacá-los nos próprios Lusíadas, por exemplo, uma vez que o próprio Camões tomou por influência de forma e estilo, precisamente, os épicos gregos (sabemos que não existe nenhuma ilha dos amores, certo?).
Para além disso, há um pormenor (ou não) curioso. É que "Ulisses" trata-se da posterior designação latina. Em grego e originalmente o verdadeiro nome do herói era "Odysseus". Assim sendo seria muito estranho que Odysseus ou os gregos que se seguiram baptizassem a cidade de acordo com o nome romano...
Por fim e mesmo atendendo à cronologia normalmente proposta para aqueles eventos (considerando que em parte tenham sido verdade), chega-se à conclusão de que Ulisses, caso tivesse chegado a Lisboa, provavelmente já não a teria de fundar (já existia...).
Refutada assim a versão romana para a fundação de Lisboa, ainda assim, ficam algumas certezas... pela negativa: os romanos não faziam idéia (ou não queriam fazer) de quem teria fundado Olisipo nem de qual a origem do próprio nome; Olisipo não era uma colónia grega; Olisipo já seria, ao tempo chegada dos romanos, uma cidade antiga e de importância considerável, tendo aqueles adoptado o nome pelo qual os próprios habitantes conheciam a sua cidade, transmitido ao longo de séculos (e assim conhecido por gerações sucessivas de navegadores de diferentes origens).
Sendo assim, antes de romanos e gregos, quem teria fundado Lisboa? Os "suspeitos" que se seguem são os povos que antes daqueles deixaram as suas marcas na Península: Fenícios e Cartagineses (de origem fenícia). Terão sido eles? Fica para próximo artigo... porém adiantamos que, em nossa opinião, Lisboa também não nasceu como "Allis Ubbo", cidade fenícia...
As primeiras evidências documentais (de entre as que chegaram até aos nossos dias) foram obra dos romanos (nalguns casos apoiando-se em textos gregos). Embora tivessem fornecido a primeira explicação para a origem da cidade, não deixaram de nos legar dúvidas... mas também preciosas indicações, por muito óbvias que nos pareçam. Desde logo ficámos a saber que Lisboa não foi fundada pelos próprios romanos... e que já existiria há bastante tempo antes da sua chegada.
Ao analisar a teoria "romana" para a fundação poderemos ir mais longe ainda. Largamente difundida e aceite até tempos muito recentes, a versão dos romanos apontava o herói grego Ulisses como tendo sido o fundador de Lisboa. Com que razões? Em primeiro lugar poder-se-ão ter baseado no facto (já confirmado) de que Lisboa, aquando da chegada dos romanos, já era uma cidade com fortes e antigos laços com outros povos do Mediterrâneo. É bastante provável que os romanos encontrassem assim alguns traços helenizantes (ou que os entendessem como tal), para além da existência de rotas comerciais onde não faltariam (e não faltaram, como está provado também) produtos oriundos de colónias gregas.
Em segundo lugar e aos olhos dos romanos a criação de um "mito" fundador com raízes helénicas - ainda que não entendessem como tal - era também uma forma de integrar perfeitamente a cidade no "mundo" greco-romano, excluindo assim a intervenção de povos considerados hostis ou indignos face à superioridade da sua civilização. Ao fazê-lo, como veremos, os romanos afastavam deliberadamente a influência de povos "bárbaros" bem como os antigos e acérrimos rivais do mesmo "mundo": fenícios e cartagineses (de origem fenícia).
Esta segunda ordem de motivos, alheia à objectividade e ao rigor histórico, levanta desde logo sérias suspeitas. E os factos conhecidos ajudam a deitar por terra esta teoria "romana", por muito tempo que esta tenha sobrevivido... sobretudo por ter sido (e é) tremendamente apelativa aos historiadores e não-historiadores "românticos" que se sucederam. Seria de facto uma bela lenda, mas é de facto uma lenda. Senão vejamos:
Em momento algum nos é indicado claramente que Lisboa, à data da chegada dos romanos, seria ela própria uma colónia grega ou sequer contasse com uma presença significativa de cidadãos gregos. Nem por outro lado deixaram os próprios gregos evidências nesse sentido. Aliás esta fragilidade permitir-nos-ia concluir que, mesmo pondo Ulisses de parte, também não tenham sido os gregos a fundar Lisboa de todo. Os achados arqueológicos - não só em Lisboa mas em toda a Península Ibérica - parecem confirmá-lo: não terá existido nenhuma colónia grega, inteiramente como tal, no actual território português. É um facto que existiram efectivamente colónias gregas na Península Ibérica mas, contrariando certas generalizações, estas e os seus territórios ter-se-ão limitado à costa mediterrânica. E tal deveu-se, em grande parte e precisamente, à concorrência do "mundo" fenício...
Também é um facto que, antes dos romanos, os navegadores/comerciantes gregos terão explorado e viajado com alguma frequência pelas costas ocidentais, como atestaria o "périplo massaliota" principal fonte do poema "Orla Marítima" (do romano Avieno). No entanto nada dos indica que se tratassem de algo mais que contactos pontuais ou meramente comerciais com a zona de influência da colónia grega de Massalia (Marselha, em França). E uma vez mais tudo isto terá ocorrido num espaço de tempo não muito considerável, desde a efectiva decadência do poder de Cartago no Sul e Ocidente da Península até à chegada dos romanos.
Ainda que ao se comprovar que Lisboa não terá sido "grega" possam permanecer algumas dúvidas, a própria lenda encerra ainda outras grandes imprecisões. Diz a mesma que Ulisses e os seus bravos soldados, depois de vencida a guerra de Tróia, teriam iniciado uma errática viagem pelo Mediterrâneo, fazendo descobertas e cometendo novas façanhas. Entre elas deduziu-se a fundação de Olisipo, que deveria o seu nome ao herói (Ulisses/Olisis - Ulisseia/Olisipo). Ora, para começar, pouco ou quase nada do que foi relatado sobre as próprias Guerras de Tróia e eventos relacionados (incluindo a existência de Ulisses) foi até hoje comprovado histórica e arqueologicamente. Aliás a Odisseia encontra-se impregnada de elementos claramente mítológicos e não verdadeiros, tal como hoje é possível destacá-los nos próprios Lusíadas, por exemplo, uma vez que o próprio Camões tomou por influência de forma e estilo, precisamente, os épicos gregos (sabemos que não existe nenhuma ilha dos amores, certo?).
Para além disso, há um pormenor (ou não) curioso. É que "Ulisses" trata-se da posterior designação latina. Em grego e originalmente o verdadeiro nome do herói era "Odysseus". Assim sendo seria muito estranho que Odysseus ou os gregos que se seguiram baptizassem a cidade de acordo com o nome romano...
Por fim e mesmo atendendo à cronologia normalmente proposta para aqueles eventos (considerando que em parte tenham sido verdade), chega-se à conclusão de que Ulisses, caso tivesse chegado a Lisboa, provavelmente já não a teria de fundar (já existia...).
Refutada assim a versão romana para a fundação de Lisboa, ainda assim, ficam algumas certezas... pela negativa: os romanos não faziam idéia (ou não queriam fazer) de quem teria fundado Olisipo nem de qual a origem do próprio nome; Olisipo não era uma colónia grega; Olisipo já seria, ao tempo chegada dos romanos, uma cidade antiga e de importância considerável, tendo aqueles adoptado o nome pelo qual os próprios habitantes conheciam a sua cidade, transmitido ao longo de séculos (e assim conhecido por gerações sucessivas de navegadores de diferentes origens).
Sendo assim, antes de romanos e gregos, quem teria fundado Lisboa? Os "suspeitos" que se seguem são os povos que antes daqueles deixaram as suas marcas na Península: Fenícios e Cartagineses (de origem fenícia). Terão sido eles? Fica para próximo artigo... porém adiantamos que, em nossa opinião, Lisboa também não nasceu como "Allis Ubbo", cidade fenícia...
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