quarta-feira, 23 de maio de 2007

Igrejas de Lisboa (I): S. José dos Carpinteiros

Respondendo a um desafio (familiar) de escrever sobre as igrejas da Baixa de Lisboa - alertando sobretudo para o estado de degradação e olvido a que estão votados alguns templos - inicio hoje mais uma série (espero eu) de artigos versando precisamente sobre as igrejas de Lisboa (não apenas da Baixa).

Irei começar pelo que se pode considerar a fronteira Norte da Baixa, uma zona que em tempos remotos se situava à saída das portas da cidade. Começo pela Igreja de S. José dos Carpinteiros, sita na Rua de S. José (próximo do Largo da Anunciada).


A origem desta igreja deve-se à fundação, em 1532, da Confraria de S. José, formada por carpinteiros e pedreiros. Uma das razões plausíveis para a sua fundação poderá ter sido a ocorrência do violento terramoto de 1531 (tantas vezes ofuscado pelo de 1755 mas que foi tão ou mais devastador), a que se seguiu um grande esforço de reconstrução. É natural que nos tempos seguintes tivesse aumentado significativamente o número de mestres naqueles ofícios, ao ponto de terem a sua própria confraria.
O nome de S. José é óbvio, uma vez que o Santo carpinteiro era (e é) o respectivo padroeiro.

Numa fase inicial, porém, a Confraria instalou-se na Igreja de Santa Justa e Santa Rufina. Só em 1546 é que a Confraria construíu uma ermida para seu uso exclusivo, e custeada exclusivamente pelos seus confrades. Ficava fora das portas da cidade (no caso vertente, à saída das Portas de Santo Antão), na zona então chamada de "Entre-Hortas", pois como já escrevi noutra altura, no lugar da actual Avenida da Liberdade existiam apenas pequenas hortas, canaviais ou descampados.
Chamava-se naquela altura Ermida de S. José dos Carpinteiros ou de S. José de Entre as Hortas e seria no lugar deste templo primitivo que mais tarde seria construída a actual Igreja de S. José dos Carpinteiros.

Em 1567 o Cardeal D. Henrique (que viria a ser regente e Rei - o último da dinastia de Avis, se não considerarmos D. António, Prior do Crato) decidiu dividir a imensa freguesia de Santa Justa (onde se encontrava a Ermida) criando a Freguesia de S. José, cuja sede paroquial (e de freguesia) passaria a ser, precisamente, a ermida dos confrades carpinteiros (que assim forneceu o nome de baptismo da nova freguesia).

Passado pouco tempo os confrades decidiram ampliar a "ermida" (que se mantinha como sede paroquial), novamente a despesas próprias, tornando-a finalmente numa igreja.
Foi nessa ocasião que a Igreja de São José passou a ocupar o espaço que actualmente ocupa.

Com o terramoto de 1755 a Igreja de S. José sofreu alguns danos, mas não os suficentes para impedir a sua reparação. Sob a orientação e trabalho do mestre-pedreiro Caetano Tomás a Igreja de S. José assumiu o aspecto barroco-pombalino que tem hoje.
Também após 1755 foi pedido à Confraria dos Carpinteiros e Pedreiros que acolhesse na sua Igreja as reuniões da "Casa dos 24". A Casa dos 24 era o conselho corporativo instituído por D. João I (em 1383) que reunia 2 representantes dos 12 ofícios mais importantes de Lisboa. Teve um papel importantíssimo na mobilização da população da cidade para resistir às pretensões dos castelhanos e apoiar a causa do Mestre D'Avis. A Confraria dos Carpinteiros e Pedreiros (ou de S. José) estava naturalmente representada na Casa dos 24 (era a 7ª bandeira da Casa).

Durante o período Filipino, a actividade da Casa dos 24 chegou a ser suspensa, e por altura da Restauração já quase só a Confraria de S. José se mantinha organizada.
Após a Restauração também a Casa dos 24 foi "restaurada" como era antes.
Isto até 1834, altura em que a Casa dos 24 foi finalmente extinta, pois a Constituição Liberal de 1822 proibia as corporações de artes e ofícios.

Depois de extinta a Casa dos 24 (em 1834) foi criada a Irmandade de Ofícios da Antiga Casa dos 24 de Lisboa, que até hoje continua sediada na Igreja de S. José dos Carpinteiros (tal como a Confraria de S. José dos Carpinteiros). A Irmandade é uma "associação pública de fiéis católicos, com personalidade canónica e civil", assumindo portanto um papel eminentemente religioso (enquanto as antigas confrarias faziam ao mesmo tempo as vezes de ordens profissionais, sindicatos ou até facções de partidos)...
Ao que soube, o Juiz Presidente da Irmandade é o Arq.º Gonçalo Ribeiro Teles, figura sobejamente conhecida dos lisboetas.

Quanto à antiga bandeira da Confraria dos Carpinteiros e Pedreiros, o actual Sindicato dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia recuperou o seu emblema, como podem ver aqui:


Depois de tudo isto, falando de corporações de carpinteiros e pedreiros, mais o compasso e afins, ainda se poderá pensar que há aqui algo da Maçonaria. Há algo de comum, obviamente (a origem, pois no Norte da Europa Medieval eram importantíssimas as corporações de ofícios, entre as quais a dos pedreiros), mas a Confraria e Irmandade são e sempre foram claramente instituições exclusivamente do "mundo" Católico. Além do facto de a Confraria de S. José ser bem anterior à chegada dos "pedreiros-livres" a Portugal, teve certo apoio do Cardeal D. Henrique (como já referi), numa altura em que era, nem mais nem menos, o Inquisidor-Mor do reino. Não me parece que fosse dado a grandes "desvios".

Para finalizar, deve-se referir que a Igreja de S. José dos Carpinteiros foi classificada como Imóvel de Interesse Público.

Para saber mais sobre esta Igreja e ver fotografias recomendo:
Pesquisa no Inventário da DGEMN - basta inserir "carpinteiros" no campo "Designação".
Entrada no Inventário do IPPAR - página sobre o conjunto da Igreja
Página da Junta de Freguesia de S. José - conta-nos a história da freguesia e paróquia, mas também tem um apartado dedicado à Igreja de S. José dos Carpinteiros

Quanto ao estado de conservação da Igreja, parece-me bastante satisfatório (a avaliar pelas fotografias), talvez a precisar de umas pinturas.
O interior, com azulejos, pinturas e ainda um presépio, é rico e vale uma visita sem pressas. Para quem passar pelo exterior (e muitos de nós passarão frequentemente), mesmo com pressa, vale a pena deter-se e reparar no portal. É daquelas coisas com que nos deliciamos ao passear pelo estrangeiro, mas cá também temos!