Hoje inauguramos uma nova série de textos, para "reanimar" este blogue (está no "estaleiro" mais um texto sobre as origens de Lisboa, mas esse ainda demora).
Vamos percorrer as Avenidas de Lisboa, de forma algo superficial, mas estruturada de maneira a que se conheça parte do património desta cidade e alguns respigos - muito ligeiros - da sua história (e da história do seu urbanismo).
Também não conhecemos em detalhe e com actualidade o estado de preservação de muito do património aqui referido. No entanto, só pelo registo, entendemos que vale a pena.
Começamos pela Avenida da Liberdade, uma das mais antigas (como avenida) e que, em conjunto com a Avenida da República, forma o eixo central da cidade.
A Avenida da Liberdade foi contruída nos finais do Século XIX sobre parte do antigo "Passeio Público".
A sua extensão viria a ser bem maior que a daquele, indo ao encontro de um novo parque, no topo, cuja construção visava compensar a "perda" do parque público (o Parque da Liberdade, que mais tarde daria lugar ao Parque Eduardo VII).
A Sul, foi construída a Praça dos Restauradores, consagrada à "liberdade" de Portugal face a Espanha, reconquistada (restaurada) em 1640. Em conformidade, a nova avenida recebeu precisamente o nome de "Liberdade". E assim se esclarece um equívoco (embora não muito frequente) pelo qual se atribui à Revolução de 1974 a responsabilidade pelo novo nome, supostamente em substituição de um outro. Sempre foi "Avenida da Liberdade" (desde que é avenida), mesmo quando a liberdade, nalguma outra ocasião, se viu ameaçada (em bom rigor, o espírito será o da "Independência").
Recuando de novo no tempo, cumpre recordar que a origem do Passeio Público remonta à época da reconstrução pós-terramoto (1755). Ao tempo do terramoto já existiam na zona algumas construções (sobretudo palácios e palacetes) e primitivos arruamentos, concentrados no que é hoje a parte a Sul. O mais eram hortas e "mata cerrada", até porque terminava ali o perímetro das antigas muralhas da cidade (cerca Fernandina). Desta forma, no Século XVI e em anteriores, a zona era totalmente "campestre".
Por sua vez, a fertilidade dos campos e a própria topografia (em forma de vale suave) encontram explicação na existência de uma antiga ribeira, a de "Valverde" (ou de Sto. Antão), que seguia em boa parte o traçado da actual avenida e se juntava a uma outra ribeira (de Arroios) mais abaixo, desaguando ambas num esteiro do Tejo. Em bom rigor, quer as duas ribeiras quer o esteiro ainda hoje existem... mas no subsolo. As duas ribeiras, encanadas, enquanto o esteiro banha as estacarias de muitos edifícios da Baixa.
No entanto, desde o tempo dos romanos até aos primeiros tempos de Lisboa como capital do Reino de Portugal foram sendo "conquistadas" aquelas terras, de forma progressiva. Enquanto alagadas, eram aproveitadas para o cultivo.
Voltando à evolução da Avenida da Liberdade, foi concebida como artéria de grande circulação, o que entristeceu muitos lisboetas, saudosos do prazenteiro Passeio Público. E, em pouco tempo, o tráfico de barulhentas carruagens começou a dar lugar aos primeiros automóveis - ainda mais barulhentos e ainda mais "endiabrados" para com o sossego dos peões.
Como "refúgio", ainda foram construídas alamedas no meio da avenida, arborizadas, mas que ficavam muito aquém do conceito de "parque". Com o correr dos tempos - e o alargamento das vias rodoviárias - a Avenida tornou-se cada vez menos cativante para o passeio dos alfacinhas.
Como cópia dos "boulevards" parisienses, porém, a Avenida da Liberdade não perdeu interesse. Surgiram edifícios de traça "moderna", alegre e elaborada, contrastando com a sobriedade dos edifícios "pombalinos". Como veremos adiante, a Avenida da Liberdade foi durante algumas décadas uma "montra" privilegiada para os mais arrojados arquitectos, qual "ex-libris" de um novo urbanismo de Lisboa.
Durante o tempo do Estado Novo surgiram novas edificações, deveras interessantes em si (como o edifício do Diário de Notícias, o Hotel Vitória ou o Cinema São Jorge), embora nem sempre em harmonia com o conjunto.
No lugar da antiga Rotunda foi construída a Praça Marquês de Pombal, que reforçou a fluidez de comunicação da Avenida com o resto da cidade. Para ali se deslocou em definitivo o "centro" de Lisboa.
Também nesta época foi "reforçada" significativamente a estatuária da Avenida, como veremos adiante.
Mas se a harmonia arquitectónica poderia ser posta em causa, veio a sê-lo com gravidade nas décadas seguintes... e em boa medida até hoje. De ambos os lados da avenida é difícil encontrar um quarteirão onde não existam aberrações...
Já para não falar nos tempos difíceis por que passaram (e ainda passam) alguns dos mais emblemáticos edifícios, sujeitos ao abandono, à descaracterização quase completa das suas traças ou ainda, a degradação.
Há honrosas excepções, recentes, embora não isentas de polémica.
Em seguida vejamos com maior pormenor o que existe na Avenida da Liberdade.
A Avenida tem cerca de 1.000 metros de comprimento, com início na Praça dos Restauradores, terminando na Praça Marquês de Pombal. Atravessa duas freguesias, a de S. José (a Sul) e a de Coração de Jesus (a Norte). As Ruas do Salitre e de Manuel Jesus Coelho marcam a altura de fronteira.
A Avenida é servida pelo Metropolitano em três pontos: Restauradores (a Sul), Estação da Avenida (a meio) e Estação do Marquês de Pombal/Rotunda (a Norte).
Cruzam ou desembocam na Avenida os seguintes arruamentos (do início para o final):
- Junto aos Restauradores, terminam a Calçada da Glória, a Oeste, e a Rua dos Condes, a Leste;
- O Largo da Anunciada comunica com a Avenida a Leste. A respectiva rua atravessa a Avenida, embora sem comunicação a Oeste;
- Seguem-se a Travessa da Glória e a Rua da Conceição da Glória, a Oeste;
- Acima estão a rua de acesso à Praça da Alegria, a Oeste, e a Rua das Pretas, a Leste. Comunicam entre si cruzando a Avenida;
- Depois, a Oeste, unem-se em nome e no terreno a Travessa e a Rua do Salitre;
- Seguem-se a Travessa da Horta da Cera e a Rua Manuel de Jesus Coelho, que também comunicam entre si cruzando a Avenida;
- Na zona mais moderna (boa parte dos arruamentos referidos acima são bem antigos, como atestam os nomes) surgem, por fim, grandes ruas que atravessam a Avenida de lado a lado. Primeiro a Rua Barata Salgueiro, depois a Rua Alexandre Herculano.
Da estatuária da Avenida da Liberdade consta (do início para o final):
- Busto de Manuel Pinheiro Chagas, escritor, da autoria de Costa Mota e inaugurado em 1908;
- Estátuas e lagos em alegoria aos rios Tejo e Douro, "sobreviventes" da estatuária inicial do Passeio Público, da autoria de Alexandre Gomes;
- Estátua de Simon Bolívar, herói independentista da América Latina, da autoria de Arturo Aguilero e inaugurada em 1978. Foi oferecida por emigrantes portugueses na Venezuela;
- Monumento aos Mortos da Grande Guerra / Combatentes, da autoria de Maximiano Alves e Guilherme Rebello de Andrade, inaugurado em 1931;
- Busto de Rosa Araújo, urbanista (incluindo da própria Avenida), inaugurado em 1936;
- Conjunto das estátuas de António Feliciano de Castilho, Oliveira Martins, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, inaugurado em 1952. As duas primeiras foram da autoria de Leopoldo de Almeida e as duas outras, de Barata Feyo.
Na Avenida da Liberdade, são Imóveis de Interesse Público:
- Hotel Vitória (1934/36), de Cassiano Branco, hoje sede do Partido Comunista Português;
- Pensão Tivoli - Hotel Liz (1925), de Manuel Joaquim Norte Júnior, vencedor do Prémio Valmor de 1925, hoje conserva-se apenas a fachada, integrada no Hotel NH Liberdade;
- Tivoli Cine Teatro (1924), de Raul Lino;
- Edifício do Diário de Notícias (1940), de Pardal Monteiro (onde se podem ver frescos de Almada Negreiros);
Em vias de classificação (ao que apurámos) estão os seguintes edifícios:
- Instituto Camões-Casa da Lusofonia/Palacete Seixas;
- Dois edifícios de habitação (entre os quais a Casa Lambertini), com menções honrosas Valmor de 1904;
- Edificios de habitação geminados, Prémio Valmor de 1915;
- Arquivo Histórico do Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território;
- Cinema São Jorge, Prémio Municipal de Arquitectura em 1950;
- Palácio Lima Mayer, Prémio Valmor de 1902 (o primeiro);
- Palladium (junto ao Elevador da Glória);
- Cinema Condes.
Mais recentemente, receberam os Prémios Valmor os seguintes edifícios:
- Sede do Lloyd's Bank (1988);
- Edifício Vitoria - Vitoria Seguros (1998).
Vamos percorrer as Avenidas de Lisboa, de forma algo superficial, mas estruturada de maneira a que se conheça parte do património desta cidade e alguns respigos - muito ligeiros - da sua história (e da história do seu urbanismo).
Também não conhecemos em detalhe e com actualidade o estado de preservação de muito do património aqui referido. No entanto, só pelo registo, entendemos que vale a pena.
Começamos pela Avenida da Liberdade, uma das mais antigas (como avenida) e que, em conjunto com a Avenida da República, forma o eixo central da cidade.
A Avenida da Liberdade foi contruída nos finais do Século XIX sobre parte do antigo "Passeio Público".
A sua extensão viria a ser bem maior que a daquele, indo ao encontro de um novo parque, no topo, cuja construção visava compensar a "perda" do parque público (o Parque da Liberdade, que mais tarde daria lugar ao Parque Eduardo VII).
A Sul, foi construída a Praça dos Restauradores, consagrada à "liberdade" de Portugal face a Espanha, reconquistada (restaurada) em 1640. Em conformidade, a nova avenida recebeu precisamente o nome de "Liberdade". E assim se esclarece um equívoco (embora não muito frequente) pelo qual se atribui à Revolução de 1974 a responsabilidade pelo novo nome, supostamente em substituição de um outro. Sempre foi "Avenida da Liberdade" (desde que é avenida), mesmo quando a liberdade, nalguma outra ocasião, se viu ameaçada (em bom rigor, o espírito será o da "Independência").
Recuando de novo no tempo, cumpre recordar que a origem do Passeio Público remonta à época da reconstrução pós-terramoto (1755). Ao tempo do terramoto já existiam na zona algumas construções (sobretudo palácios e palacetes) e primitivos arruamentos, concentrados no que é hoje a parte a Sul. O mais eram hortas e "mata cerrada", até porque terminava ali o perímetro das antigas muralhas da cidade (cerca Fernandina). Desta forma, no Século XVI e em anteriores, a zona era totalmente "campestre".
Por sua vez, a fertilidade dos campos e a própria topografia (em forma de vale suave) encontram explicação na existência de uma antiga ribeira, a de "Valverde" (ou de Sto. Antão), que seguia em boa parte o traçado da actual avenida e se juntava a uma outra ribeira (de Arroios) mais abaixo, desaguando ambas num esteiro do Tejo. Em bom rigor, quer as duas ribeiras quer o esteiro ainda hoje existem... mas no subsolo. As duas ribeiras, encanadas, enquanto o esteiro banha as estacarias de muitos edifícios da Baixa.
No entanto, desde o tempo dos romanos até aos primeiros tempos de Lisboa como capital do Reino de Portugal foram sendo "conquistadas" aquelas terras, de forma progressiva. Enquanto alagadas, eram aproveitadas para o cultivo.
Voltando à evolução da Avenida da Liberdade, foi concebida como artéria de grande circulação, o que entristeceu muitos lisboetas, saudosos do prazenteiro Passeio Público. E, em pouco tempo, o tráfico de barulhentas carruagens começou a dar lugar aos primeiros automóveis - ainda mais barulhentos e ainda mais "endiabrados" para com o sossego dos peões.
Como "refúgio", ainda foram construídas alamedas no meio da avenida, arborizadas, mas que ficavam muito aquém do conceito de "parque". Com o correr dos tempos - e o alargamento das vias rodoviárias - a Avenida tornou-se cada vez menos cativante para o passeio dos alfacinhas.
Como cópia dos "boulevards" parisienses, porém, a Avenida da Liberdade não perdeu interesse. Surgiram edifícios de traça "moderna", alegre e elaborada, contrastando com a sobriedade dos edifícios "pombalinos". Como veremos adiante, a Avenida da Liberdade foi durante algumas décadas uma "montra" privilegiada para os mais arrojados arquitectos, qual "ex-libris" de um novo urbanismo de Lisboa.
Durante o tempo do Estado Novo surgiram novas edificações, deveras interessantes em si (como o edifício do Diário de Notícias, o Hotel Vitória ou o Cinema São Jorge), embora nem sempre em harmonia com o conjunto.
No lugar da antiga Rotunda foi construída a Praça Marquês de Pombal, que reforçou a fluidez de comunicação da Avenida com o resto da cidade. Para ali se deslocou em definitivo o "centro" de Lisboa.
Também nesta época foi "reforçada" significativamente a estatuária da Avenida, como veremos adiante.
Mas se a harmonia arquitectónica poderia ser posta em causa, veio a sê-lo com gravidade nas décadas seguintes... e em boa medida até hoje. De ambos os lados da avenida é difícil encontrar um quarteirão onde não existam aberrações...
Já para não falar nos tempos difíceis por que passaram (e ainda passam) alguns dos mais emblemáticos edifícios, sujeitos ao abandono, à descaracterização quase completa das suas traças ou ainda, a degradação.
Há honrosas excepções, recentes, embora não isentas de polémica.
Em seguida vejamos com maior pormenor o que existe na Avenida da Liberdade.
A Avenida tem cerca de 1.000 metros de comprimento, com início na Praça dos Restauradores, terminando na Praça Marquês de Pombal. Atravessa duas freguesias, a de S. José (a Sul) e a de Coração de Jesus (a Norte). As Ruas do Salitre e de Manuel Jesus Coelho marcam a altura de fronteira.
A Avenida é servida pelo Metropolitano em três pontos: Restauradores (a Sul), Estação da Avenida (a meio) e Estação do Marquês de Pombal/Rotunda (a Norte).
Cruzam ou desembocam na Avenida os seguintes arruamentos (do início para o final):
- Junto aos Restauradores, terminam a Calçada da Glória, a Oeste, e a Rua dos Condes, a Leste;
- O Largo da Anunciada comunica com a Avenida a Leste. A respectiva rua atravessa a Avenida, embora sem comunicação a Oeste;
- Seguem-se a Travessa da Glória e a Rua da Conceição da Glória, a Oeste;
- Acima estão a rua de acesso à Praça da Alegria, a Oeste, e a Rua das Pretas, a Leste. Comunicam entre si cruzando a Avenida;
- Depois, a Oeste, unem-se em nome e no terreno a Travessa e a Rua do Salitre;
- Seguem-se a Travessa da Horta da Cera e a Rua Manuel de Jesus Coelho, que também comunicam entre si cruzando a Avenida;
- Na zona mais moderna (boa parte dos arruamentos referidos acima são bem antigos, como atestam os nomes) surgem, por fim, grandes ruas que atravessam a Avenida de lado a lado. Primeiro a Rua Barata Salgueiro, depois a Rua Alexandre Herculano.
Da estatuária da Avenida da Liberdade consta (do início para o final):
- Busto de Manuel Pinheiro Chagas, escritor, da autoria de Costa Mota e inaugurado em 1908;
- Estátuas e lagos em alegoria aos rios Tejo e Douro, "sobreviventes" da estatuária inicial do Passeio Público, da autoria de Alexandre Gomes;
- Estátua de Simon Bolívar, herói independentista da América Latina, da autoria de Arturo Aguilero e inaugurada em 1978. Foi oferecida por emigrantes portugueses na Venezuela;
- Monumento aos Mortos da Grande Guerra / Combatentes, da autoria de Maximiano Alves e Guilherme Rebello de Andrade, inaugurado em 1931;
- Busto de Rosa Araújo, urbanista (incluindo da própria Avenida), inaugurado em 1936;
- Conjunto das estátuas de António Feliciano de Castilho, Oliveira Martins, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, inaugurado em 1952. As duas primeiras foram da autoria de Leopoldo de Almeida e as duas outras, de Barata Feyo.
Na Avenida da Liberdade, são Imóveis de Interesse Público:
- Hotel Vitória (1934/36), de Cassiano Branco, hoje sede do Partido Comunista Português;
- Pensão Tivoli - Hotel Liz (1925), de Manuel Joaquim Norte Júnior, vencedor do Prémio Valmor de 1925, hoje conserva-se apenas a fachada, integrada no Hotel NH Liberdade;
- Tivoli Cine Teatro (1924), de Raul Lino;
- Edifício do Diário de Notícias (1940), de Pardal Monteiro (onde se podem ver frescos de Almada Negreiros);
Em vias de classificação (ao que apurámos) estão os seguintes edifícios:
- Instituto Camões-Casa da Lusofonia/Palacete Seixas;
- Dois edifícios de habitação (entre os quais a Casa Lambertini), com menções honrosas Valmor de 1904;
- Edificios de habitação geminados, Prémio Valmor de 1915;
- Arquivo Histórico do Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território;
- Cinema São Jorge, Prémio Municipal de Arquitectura em 1950;
- Palácio Lima Mayer, Prémio Valmor de 1902 (o primeiro);
- Palladium (junto ao Elevador da Glória);
- Cinema Condes.
Mais recentemente, receberam os Prémios Valmor os seguintes edifícios:
- Sede do Lloyd's Bank (1988);
- Edifício Vitoria - Vitoria Seguros (1998).